quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Um caminho heterodoxo para transformar a Educação


Estudioso português que criou caso clássico de ruptura com padrões escolares propõe: Brasil, país de inovações, só vencerá atraso educacional se superar convenções e mobilizar sua irreverência e criatividade

Por Patrícia Gomes, no Porvir

Depois de já ter revolucionado os moldes tradicionais de ensino na Escola da Ponte, o professor português José Pacheco, hoje um estudioso da realidade brasileira, aposta na mudança de mentalidade dos professores e no apoio dos governos para haver inovação em educação. Segundo o educador, é preciso que as iniciativas isoladas que ele tem visto pelo país sejam registradas, avaliadas e incentivadas para não serem perdidas. Mais que isso: os professores devem se dispor a mudar para adotar uma postura mais descentralizada, aberta à reflexão, ao diálogo e à diversidade.

Pacheco tornou-se mundialmente conhecido por revolucionar uma escola pública portuguesa, a Ponte, utilizando uma metodologia ousada: ele acabou com turmas, salas de aula, disciplinas e passou a ensinar conforme a motivação dos alunos. Lá, são os próprios estudantes que se organizam em grupos heterogêneos para estudar os assuntos que lhes interessam, são autônomos para pesquisar, apresentar os resultados para os colegas e, quando se sentem prontos, avisam que podem ser avaliados. O educador já está aposentado, mas sua proposta pedagógica continua sendo aplicada na Ponte e é replicada em vários países, inclusive no Brasil.

Como o senhor definiria inovação em educação?

Os arquivos das universidades estão repletos de teses sobre inovação. Sendo um termo de vasto espectro semântico, eu poderia escolher uma definição qualquer e escrever aqui, mas não farei. Prefiro dizer que, no campo teórico da educação, já tudo foi inventado e que as teses são meras reproduções de teorias… Na prática, aquilo que tem sido considerado inovação não tem sido avaliado e, quase sempre, tem consistido apenas em pequenas mudanças num modelo educacional hegemônico e obsoleto. Esse modelo, dito “tradicional”, aquele em que é suposto ser possível transmitir conhecimento, faliu muito tempo atrás.

Nós, brasileiros, somos um povo aberto à inovação?

Sem dúvida que a mistura genética deu origem a um povo criativo. Acompanho algumas práticas embrionárias que provam a capacidade inventiva dos professores brasileiros. São iniciativas que partem de desejos e necessidades sentidas pelos atores locais. Essas práticas (talvez inovadoras) requerem descentralização, questionamento do modelo de relação hierárquica, negociação e contrato, respeito pela diversidade. Tais projetos poderiam constituir-se em oportunidade de mudança, mas o poder criativo não encontra acolhimento junto àqueles a quem compete gerir o sistema. Urge inovar, mas como pode acontecer inovação, se quem decide não tem consciência dessa necessidade?

O que de mais inovador o senhor tem visto pelas suas viagens pelo Brasil?

Tenho visto o trabalho discreto de muitos professores. Um trabalho que talvez mereça ser considerado inovador, mas que, por não ser apoiado pelo poder público, nem avaliado, se perde, quando os professores desistem de querer mudar as escolas, quando desistem de fazer das crianças seres mais sábios e pessoas mais felizes.

Existe mais abertura hoje para projetos que desconstroem a escola tradicional, como a Escola da Ponte ou a Educação Ativa?

Existe abertura por parte de educadores atentos à tragédia educacional brasileira. Há dados que mostram que há alunos que chegam ao ensino médio analfabetos ou incapazes de fazer uma interpretação de texto.

Urge buscar uma escola do conhecimento e abandonar um ensino meramente transmissivo, fomentar a organização do acesso à informação e a aprendizagem do uso do conhecimento.

As escolas se converteram ao mundo digital, mas mantêm e reforçam práticas de ensino obsoletas, o improviso e o imediatismo das “novas” práticas faz prosperar o insucesso. Urge instituir novas e autônomas formas de organização das escolas, mas também recuperar práticas antigas, sem a tentação de clonar a escola da Ponte ou adotar modismos.

Há muitos educadores com um estatuto social degradado, mal remunerados, mas que não desistem de desconstruir o modelo tradicional, de tentar melhorar, melhorando a escola. Eles sabem que o Brasil progredirá através da educação. Mas não aquela educação de que é feita a retórica de político…

Onde estão as principais barreiras para inovar? Nas escolas, entre professores, governantes, pais ou alunos?

A mudança em educação é um processo complexo e moroso: para grandes metas, pequenos passos. Urge buscar uma escola do conhecimento e abandonar um ensino meramente transmissivo, fomentar a organização do acesso à informação e a aprendizagem do uso do conhecimento.

A mudança das instituições passa pela transformação das pessoas que as mantêm. Estabeleça-se uma práxis pautada numa ética da responsabilidade e numa relação dialógica. Que se recusem ideias feitas e se escape à síndrome do pensamento único.

A formação dos professores é deficiente. As escolas são geridas numa racionalidade administrativa e burocrática. Mas o principal obstáculo é o professor, quando assume que o ato de educar é um ato solitário, quando recusa reelaborar a sua cultura pessoal e profissional, no exercício da convivencialidade.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Para onde caminha a humanidade? A Educação conseguirá acompanhá-la?

Para onde caminha a humanidade? A Educação conseguirá acompanhá-la?
Publicado em 23/08/2012

Ninguém sabe, muito menos eu, como será o mundo daqui a meros cinco anos. Porém, algumas coisas nós podemos prever para a próxima década com certa razoabilidade.
No universo da Educação, prever acontecimentos futuros é muito importante, ainda que raramente alguém se preocupe com isso, pois nessa área caminha-se sempre muito lentamente e algumas mudanças ocorrem no intervalo de duas ou mais gerações (quando ocorrem!). Coisas que para alguns gestores públicos, gestores escolares e professores soam hoje como novidade e causam sérias dificuldades de implantação, são, na verdade, velharias que já estão por aí há uma ou duas décadas, como os computadores, a internet e as TDIC de forma geral.

Precisamos ter alguma ideia do que espera por nossos alunos no futuro para que possamos começar desde já a construir teorias e práticas que serão fundamentais daqui há uma ou duas décadas. Não parece razoável que estejamos hoje lutando ainda para tentar salvar paradigmas que já estão putrefatos e modelos que são sabidamente fracassados. Se tivermos que salvar alguma coisa, então que sejam os nossos filhos e netos.

Em alguns casos não é difícil fazer previsões. Por exemplo, é óbvio que não retrocederemos. Somente essa “previsão” básica já deveria nos bastar para que deixássemos de lado atitudes e medidas retrógradas que têm como propósito apenas o retrocesso. Só para ilustrar um exemplo claro disso na seara da Educação, reflitamos sobre a perseguição insana aos “telefones celulares”.

Ora, telefones celulares sequer existem mais! O que se tem hoje em dia são dispositivos móveis multimidiáticos e interconectados em rede que, além das 1001 utilidades que já possuem, e que todos os dias são expandidas, também servem como telefones!

Desde que o bisavô desses aparelhos surgiu, na época com a função única de ser um telefone móvel, mês após mês só assistimos a um desenvolvimento exponencial de funcionalidades cada vez mais úteis. É fácil antever que daqui a cinco anos esses aparelhos terão atingido uma funcionalidade tal que possam substituir quase todos os aparelhos que usamos atualmente para comunicação, entretenimento, educação e negócios, por exemplo.

Em um único aparelhinho desses já é possível realizar tarefas que vão da leitura de um livro, a audiência de um filme, ou da distração de um videogame até transações bancárias complexas. Daqui a uma década esse tipo de dispositivo terá expandido suas funcionalidades tanto para mais coisas banais, como controlar eletrodomésticos, quanto para outras mais sofisticadas, como gerenciar seu computador, secretariar seu dia a dia ou dirigir seu carro.

Então reflita comigo: como nossos filhos vão lidar com isso daqui a dez anos se a escola onde eles estudam agora quer banir os mobiles de parte importante de suas vidas (sim, a escola é parte importante da vida de nossos filhos!) sob o pretexto de que eles “atrapalham a educação”? De fato, eles atrapalham mesmo a Educação que temos hoje nas escolas, e isso é uma grande e inegável verdade, porém, também é uma grande vitória! Atrapalhar um sistema educacional falido e decadente é um ato de heroísmo entremeio a uma batalha épica entre o novo que está brotando e o ultrapassado que está definhando.

Nossos alunos não deveriam carregar mochilas imensas, cheias de livros e cadernos que cabem tranquilamente em um smartphone ou num mini tablet. Eles não precisam mais carregar agendas, relógios, calculadoras, dicionários ou mesmo lápis. Tudo isso já pode ser “embutido” nos aparelhos atuais que, ainda que nos pareçam modernos, daqui a uma década se parecerão com o velho telefone celular “do tipo tijolão”, aquele que tínhamos a justos dez anos atrás e que só servia para informar que não havia sinal analógico disponível na área onde estávamos. Você se lembra disso? Já éramos modernos naquele tempo, não?

Nossos alunos não precisam de um professor de história que saiba de cor datas e nomes de personagens históricos e que ache o máximo da didática contemporânea copiar textos na lousa para depois formular questões de memorização. Esse professor é absolutamente
dispensável, não serve mais. É mais barato para a sociedade distribuir aos alunos tablets que podem transportar toda essa informação em pouco espaço e com pronta disponibilidade (e que vai para casa com o aluno!) do que pagar um cérebro tosco para armazenar apenas uma parte disso tudo e, ainda assim, com pouca disponibilidade e quase nenhuma mobilidade.

O mesmo vale para os professores de qualquer outra disciplina, com exceção justa e devida aos professores alfabetizadores, que têm ainda a grande tarefa de levar aos pequenos as primeiras letras. Mas, mesmo esses já podem e devem contar com recursos menos miseráveis do que uma lousa com giz e apagador, uma apostila aleijada e estática e um caderno amarelado que se tornará lixo no final do ano. Os pequenos podem aprender a ler ouvindo e lendo simultaneamente as palavras, as estórias, a voz gravada do seu próprio professor.

Podem aprender a escrever com um corretor ortográfico (e em breve um corretor caligráfico!) que lhes aponte em tempo real onde estão errando ou acertando. Eles podem fazer coisas incríveis com esses “brinquedinhos inteligentes” que queremos (mas não podemos) proibir que usem.

Nossos alunos não precisam de um professor de história que saiba de cor datas e nomes de personagens históricos e que ache o máximo da didática contemporânea copiar textos na lousa para depois formular questões de memorização. Esse professor é absolutamente
dispensável, não serve mais. É mais barato para a sociedade distribuir aos alunos tablets que podem transportar toda essa informação em pouco espaço e com pronta disponibilidade (e que vai para casa com o aluno!) do que pagar um cérebro tosco para armazenar apenas uma parte disso tudo e, ainda assim, com pouca disponibilidade e quase nenhuma mobilidade.

O mesmo vale para os professores de qualquer outra disciplina, com exceção justa e devida aos professores alfabetizadores, que têm ainda a grande tarefa de levar aos pequenos as primeiras letras. Mas, mesmo esses já podem e devem contar com recursos menos miseráveis do que uma lousa com giz e apagador, uma apostila aleijada e estática e um caderno amarelado que se tornará lixo no final do ano. Os pequenos podem aprender a ler ouvindo e lendo simultaneamente as palavras, as estórias, a voz gravada do seu próprio professor. Podem aprender a escrever com um corretor ortográfico (e em breve um corretor caligráfico!) que lhes aponte em tempo real onde estão errando ou acertando. Eles podem fazer coisas incríveis com esses “brinquedinhos inteligentes” que queremos (mas não podemos) proibir que usem.

Há muito mais para ser pensado, criado e destruído do que nossa capacidade de compreender as mudanças em nosso próprio entorno. Já acabou a era dos gênios solitários, das teorias de um profeta só. Estamos na era do conhecimento construído socialmente, fruto de uma inteligência que extrapola nossos cérebros individuais. Estamos na era da mobilidade, das redes, da construção coletiva. E é sob essa ótica que precisamos começar a enxergar uma nova escola.

Nossa geração é um tanto covarde, submissa, conformista, consumista, apática e servil. Fomos educados, nesse mesmo modelo de escola que ainda temos, para sermos assim: “bundões”. Mas, quem sabe consigamos salvar as próximas gerações (temos que acreditar que podemos!) e, talvez, em um futuro distante, arqueólogos descubram em nós algum valor que nós mesmos não somos capazes de acreditar que possuímos.

Sobre o autor: José Carlos Antonio, @profjc , físico, professor, autor de material didático de Física para o Ensino Médio e cursinhos, autor de material didático de Matemática para o Ensino Fundamental, autor de material didático para formação de professores (EAD), formador do Cenpec e do Educarede, consultor de EAD e TI, trabalha com o uso pedagógico das TICs há cerca de duas décadas e participou de “n” projetos nessa área ao longo desses anos. Twitter: @profjc ; Facebook: ProfiJC ; Blog:http://professordigital.wordpress.com; Email: profjc@gmail.com

“Educação se faz de pessoa para pessoa”

Paulo Blikstein é um engenheiro que se apaixonou por educação. Não é que ele tenha resolvido colocar a graduação na USP de lado e se dedicar a uma área completamente diferente na sua vida acadêmica. Decidiu, antes de tudo, colocar seu talento na engenharia a serviço da educação e estudá-la a fundo. Hoje, professor assistente da School of Education de Stanford, no coração do Vale do Silício, região norte-americana onde a inovação é mais pulsante, ele e sua equipe tentam contribuir com a melhora dos processos de ensino-aprendizagem pelo mundo. Para tanto, criam tecnologias que tornam o aprendizado uma experiência mais enriquecedora e se esforçam para torná-las baratas; desenvolvem formas de avaliação que buscam entender como os alunos aprendem; e, além disso, tentam convencer a sociedade de que tornar as escolas mais inovadoras é uma decisão política pela qual vale a pena lutar.

Como é possível desconfiar, a tecnologia está no cerne dos trabalhos do brasileiro. Contudo, Blikstein critica o uso irrestrito desses recursos. Num momento em que muitas possibilidades tecnológicas emergem na educação, o pesquisador faz um alerta: a tecnologia é importante, mas o diferencial para qualquer país que queira transformar sua educação é o capital humano. “Educação se faz de pessoa para pessoa”, afirma ele.

O que essa nova invenção está propondo é um jeito de otimizar um sistema falido ou é um jeito novo de fazer educação?

Em conversa com o Porvir, Blikstein contou sua experiência em Stanford, falou da sua aposta no aprendizado baseado em projetos e defendeu que a criatividade e a inovação sejam desenvolvidas desde cedo nas escolas. Confira.


Temos visto a educação estar cada vez mais nas rodas de discussão. É possível dizer que o assunto virou uma preocupação geral?

Você sabe essa piada que o Brasil tem 190 milhões de técnicos de futebol. Todo mundo acha que entende e dá palpite. Na educação é parecido. A educação virou um assunto-chave porque a maioria dos países percebeu que capital humano é o mais importante. O resto você pode comprar: recursos naturais, até tecnologia. As pessoas são as que fazem a diferença. Você olha os países que realmente tiveram boom de desenvolvimento. Sem gente boa para sustentar a inovação, o desenvolvimento das tecnologias e ensinar as novas gerações, a coisa acaba. As pessoas estão percebendo isso e virou uma questão Por um lado, é bom porque mostra que as pessoas querem ajudar a educação. Mas o lado ruim é que você precisa de um filtro.

Como diferenciar uma boa ideia de uma ideia inovadora?

A profissão do educador deveria se voltar para ser um filtro de todas essas invenções antes de chegar ao aluno. A pergunta fundamental que faço é: o que essa nova invenção está propondo é um jeito de otimizar um sistema falido ou é um jeito novo de fazer educação? 90% são um jeito de otimizar um sistema falido. E que sistema é esse? É aquele onde a educação é um processo de transmissão de conhecimento. O conhecimento está pronto e a gente precisa enfiá-lo na cabeça das crianças. As pessoas sugerem vídeos on-line, animações superdivertidas, cinema. Mas é sempre o mesmo paradigma. Um paradigma, mais alinhado com o século 21, é admitir que parte desse conhecimento está pronto, mas para aprender, o aluno precisa gerar sua própria versão das coisas. Ele tem que olhar o mundo e reconstruir isso tudo na cabeça. O conhecimento é sempre construído. Tudo o que se puder facilitar, melhorar, otimizar, enriquecer essa reconstrução, será educação para o século 21.

Qual é o papel do professor num contexto de inclusão das tecnologias em sala de aula?

Eliminar o professor da educação é um projeto recorrente e que consistentemente vem dando errado. A escola ajuda a entrar em contato com o conhecimento, a organizar o tempo, a se disciplinar. Os alunos, que ainda estão em formação intelectual, afetiva e das suas habilidades não cognitivas, precisam de adultos, de pessoas que diagnostiquem o que elas sabem e o que elas não sabem, receitem o que precisa ser feito. Educação é uma atividade de pessoa para pessoa.

O senhor considera o aprendizado baseado em projetos uma tendência?

Tanto acho que um dos principais projetos que eu estou fazendo, o Fablab at School, leva o aprendizado baseado em projetos para escolas do mundo todo. É um laboratório de fabricação digital que fazemos nas escolas. Levamos uma impressora 3D, uma cortadora a laser, robótica, eletrônica – máquinas que só estão disponíveis para engenheiros e de empresas de design – a crianças de 12 anos. Os projetos que elas conseguem fazer não são diferentes dos de alunos de engenharia do terceiro ano. A gente dá as mesmas ferramentas e as crianças tendem a ser mais criativas. Mas um dos problemas do aprendizado baseado em projetos é que não existem boas formas de avaliá-lo. Então estamos desenvolvendo, usamos sensores biológicos, colados no corpo da criança, que conseguem ver seu nível de empolgação em uma atividade; rastreadores oculares, que indicam para onde a criança está olhando e a dilatação da pupila para saber se ela está interessada; algoritmos que olham padrões de colaboração. Analisamos se o tipo de raciocínio que ela usa evolui na medida em que participa do projeto.

O jeito como a gente ensina é a imagem do que a gente é como sociedade
E dá para fazer esses laboratórios em grande escala?


É uma questão de se decidir o que é importante. Se você acha que invenção, inovação, criatividade é menos importante que futebol, então você vai ter uma quadra e não vai ter um laboratório. É uma questão de vontade política. Quando a gente, como sociedade, decide que alguma coisa é importante, a gente faz essas coisas acontecerem, a gente cria toda uma ecologia e um aparato.

E o Brasil já fez essa opção pela inovação?

O Brasil é o país perfeito para a inovação porque estamos inovando o tempo todo, achando soluções supercriativas para as coisas. Não entendo por que não se explora essa vocação na educação. Tem que começar cedo e perder o medo de que, se dedicar 20% das horas na escola para coisas mais criativas, você vai aprender 10% a menos de matemática. Essa é a matemática que todo mundo vai esquecer de qualquer jeito.

Isso implicaria numa flexibilização nos parâmetros curriculares, certo?

Se você tem 16 disciplinas no Ensino Médio e cada uma tem 45 minutos, não dá tempo de você fazer nada. Você pode flexibilizar de forma que os alunos possam escolher o que eles querem fazer – você não precisa forçar todo mundo a aprender a mesma coisa. Se você tem um supertalento em matemática, mas não tem um curso que possa fazer, você está desperdiçando um talento. Todo talento alocado no lugar errado é uma ineficiência do sistema.

Qual é a escola que você quer?

Uma escola onde os alunos encontrem sua paixão intelectual desde cedo, que tenham professores que saibam alimentar isso de uma forma produtiva, tenham ferramentas apropriadas para expressar esse talento. Escolas onde as crianças aprendam a aprender, aprendam a ensinar outras pessoas, onde se crie o espírito cívico e democrático como uma coisa endêmica. O jeito como a gente ensina é a imagem do que a gente é como sociedade. O que eu faço, como professor e pesquisador, é criar novas formas de avaliação, novas tecnologias, tecnologias de baixo custo, convencer a sociedade de que essa é uma decisão que vale a pena abraçar.

A escola é o lugar que atrasa o século 21?

A escola é o lugar que atrasa o século 21?, diz especialista

David Albury acredita que educação moderna não possui um modelo, mas indica algumas tendências
25 de setembro de 2012

Não importa muito como ela seja chamada: educação 3.0, educação para o século 21, educação para a vida. Mas a verdade é que muitos educadores já perceberam que os sistemas educacionais precisarão se adaptar se quiserem formar alunos capazes de lidar com a quantidade de informação hoje acessível, hábeis em administrar problemas cada vez mais complexos e prontos para serem atuantes em um mercado que exige habilidades que não ensinadas nos livros. Cientes desse descompasso entre o que a escola oferece e o que o mundo exige, um grupo de especialistas decidiu formar o Global Education Leaders Program (Gelp) para discutir problemas reais de sistemas educacionais espalhados pelo mundo e suas possíveis soluções.

"Não há uma resposta única nem um só modelo a ser seguido", diz David Albury, diretor de design e desenvolvimento do Gelp. O britânico, que foi conselheiro do primeiro-ministro para assuntos estratégicos entre 2002 e 2005, vem conversando com alunos e educadores e conhecendo modelos em todo o mundo. Diante do que tem visto, Albury encontra três tendências importantes para a educação do século 21: personalização, aprendizado baseado em projetos e avaliação por performance.

A personalização, explica ele, não quer dizer necessariamente a adoção de plataformas educacionais online, mas a configuração do aprendizado para necessidades de cada aluno. "A tecnologia é parte essencial nesse processo, mas não é o processo", afirma ele. Como exemplo de escola que desenvolve um ensino personalizado, Albury cita a escola sueca Kunskapsskolan, em que os alunos desenvolvem, com a ajuda de tutores, seus planos individuais de estudo adequado às suas paixões e afinidades, com metas claras, que podem ser acompanhadas ao longo do ano.

O aprendizado baseado em projetos, afirma Albury, tem sido uma escolha que escolas ou grupos de escolas têm feito para desenvolver habilidades nos alunos de maneira menos compartimentalizada. Nessa abordagem, os alunos precisam desenvolver um projeto e, durante o processo, aprendem conceitos das mais diversas disciplinas, trabalham em equipe, tomam decisões. Apesar de ser uma tendência, diz o britânico, ele não conhece nenhum sistema público de ensino que use o formato em todas as suas escolas. "Não precisa ser adotado em sistemas inteiros. Isso pode acontecer de forma piloto", afirma. "Não podemos esperar que os sistemas já comecem perfeitos. Leva tempo para acertar, as pessoas cometem erros."

Já sobre as avaliações por performance, afirma ele, surgem na tentativa de medir e reconhecer habilidades que os testes de múltipla escolha não conseguem. "Como é que eu avalio se um aluno é criativo? Ou se ele é bom em resolver problemas da vida real?", pergunta Albury. Essa questão, que tem afligido líderes educacionais de todo o mundo, não está respondida, mas há algumas tentativas, diz o inglês, de usar colegas, família e comunidade na construção de novas formas de avaliar.

Outra realidade que tem se tornado cada vez mais clara é que processos educativos muito ricos têm ocorrido fora da escola. Albury conta que esteve em uma reunião com alunos canadenses de 13 anos. Um deles lhe disse: "Quando eu venho para a escola, eu sinto que eu estou sendo desempoderado. Fora da escola, eu tenho acesso a várias fontes de informação. Na escola, eu tenho um professor, um livro, talvez um computador." Um colega dele concluiu: "A escola é o lugar que atrasa o século 21."

Trazer a educação que ocorre fora da escola para dentro é um desafio a mais para os professores, que precisam remoldar a forma como lidam com o ofício. "É também uma questão de identidade dos professores." Para tanto, a participação das universidades é fundamental. Nesse quesito, diz o especialista, a demografia do Brasil é mais favorável do que a de países europeus, onde há poucos professores se formando e muitos estão em atividade há muitos anos. "Mais difícil do que aprender é desaprender", afirma Albury.

Equipe brasileira

Formado há quatro anos, o Gelp começou com quatro membros: Ontário (Canadá), Nova York (EUA), Vitória (Austrália) e Inglaterra. No ano passado, o Brasil passou a fazer parte do Gelp, que hoje já tem 13 membros, entre cidades, estados e países. Entre os representantes brasileiros estão a Secretaria Municipal do Rio e as estaduais de São Paulo, Goiás e Pernambuco. Os participantes se encontram duas vezes por ano e, virtualmente, compõem uma rede com atividades ao longo do ano. Em novembro, o Rio de Janeiro será anfitrião do segundo encontro de 2012

segunda-feira, 25 de junho de 2012

10 habilidades digitais que todo professor deve ter

Determinadas habilidades digitais devem ser adquiridas pelos professores para que possam se diferenciar e proporcionar novas experiências para seus alunos


É de extrema importância saber e instruir os alunos sobre as regras de citações de conteúdos online e de copyright

A tecnologia pode ajudar os alunos a entender melhor determinados conceitos, oferecendo ajuda e recursos extras na hora de estudar. Para que a parceria entre os educadores e o mundo digital seja bem sucedida, os professores devem estar ativamente envolvidos, possuindo habilidades digitais que facilitem seu acesso à internet e às informações trazidas pelos alunos para a sala de aula com cada vez mais interesse. Além disso, devem desenvolver suas aulas com pedagogia e lições objetivas e posteriormente olhar para a tecnologia como forma de melhorar essas atividades, aprimorando o ensino, o aprendizado e o envolvimento dos estudantes. Confira as habilidades digitais que os professores devem ter:

Habilidades digitais que todo professor deve ter: Pesquisa na internet


Os professores devem saber como fazer uma pesquisa de maneira apropriada, usando termos de refinamento de pesquisas e outras ferramentas. Essa capacidade é necessária não apenas para a sala de aula, mas também para o trabalho e vida em geral.


Habilidades digitais que todo professor deve ter: Aplicativos de produtividade


Conhecer e saber utilizar aplicativos que aumentem a produtividade dos professores e que podem ajudá-los muito em suas rotinas; eles devem saber como criar, editar e modificar documentos, apresentações e outros arquivos. Falamos aqui de programas comuns, mas que muitos educadores ignoram, como o Google Docs.


Habilidades digitais que todo professor deve ter: Onde buscar ajuda


Se o professor tem problemas com aparelhos, programas ou conexão é importante saber onde encontrar a ajuda, on ou offline. Você pode procurar por fóruns online que discutam o assunto e a melhor forma de fazer determinada coisa. É importante não ignorar os manuais e botões de ajuda que oferecem dicas específicas para cada programa.


Habilidades digitais que todo professor deve ter: Soluções gratuitas

Os recursos financeiros estão em constante encolhimento e os professores precisam buscar novas formas de oferecer tecnologias e ferramentas gratuitas para dinamizar suas aulas. É importante estar em busca constante por aplicativos que ajudem nesse sentido e também por estratégias para que todos os alunos tenham acesso a essas ferramentas.


Habilidades digitais que todo professor deve ter: Mídias Sociais

Saber e ensinar o que pode ou não ser feito nas mídias sociais é essencial. Os professores devem estar aliados com a escola para combater o cyberbullying e também para a que os alunos saibam como se proteger online.


Habilidades digitais que todo professor deve ter: Etiqueta Online

Os professores devem ser exemplo no uso de recursos online como e-mail, redes sociais e internet. Devem ajudar seus alunos para que saibam escrever um e-mail profissional, fazer uso das redes para contatos profissionais e também entre amigos e funcionários da escola.


Habilidades digitais que todo professor deve ter: Segurança

Alguns problemas devem ser de conhecimentos dos professores e eles devem saber como agir e instruir os alunos. São eles: antivírus, spam, phishing, compartilhamento de muitas informações pessoais na internet, denúncia de crimes cibernéticos, etc.


Habilidades digitais que todo professor deve ter: Backup

Com todos os documentos que os professores criam para o trabalho e para casa é essencial saber como armazená-los correta e seguramente. Não tenha esses arquivos apenas em um pen-drive, mas procure salvá-los online para que não dependa de dispositivos que podem ser perdidos.


Habilidades digitais que todo professor deve ter: Aplicativos

Antes de sugerir ou usar algum aplicativo ou software em sala de aula o professor deve saber avaliá-lo com critérios de qualidade, acessibilidade, necessidade ou não de download e se é gratuito. É importante lembrar que a tecnologia não deve ser o ponto de partida para as aulas e sim uma ferramenta para melhorá-las.


Habilidades digitais que todo professor deve ter: Copyright e citações

É de extrema importância saber e instruir os alunos sobre as regras de citações de conteúdos online e de copyright para que os estudantes utilizem essas fontes de maneira correta e dando o devido crédito aos autores dos conteúdos.

http://http://noticias.universia.com.br/destaque/noticia/2012/06/21/944617/10-habilidades-digitais-todo-professor-deve-ter.html

O novo professor

Mais uma provocação para nós. O que vocês acham?



Escola mineira aplica provas do ensino médio via internet

Gostaria muito de ouvir a opinião de vocês...


A ideia da prova on-line surgiu a partir da constatação de que multinacionais e escritórios de advocacia faziam o primeiro processo seletivo para trainees via internet

Em dia de prova, as salas do 1º e 2º ano do ensino médio do Colégio ICJ – Instituto Coração de Jesus, de Belo Horizonte, estão vazias. Em casa, os estudantes aguardam o horário marcado para conectar à internet, fazer login no site da instituição e responder de forma remota às questões objetivas.

Para diminuir o risco da cola, os professores calculam o número de questões para que haja, em média, um minuto e meio para resolver cada uma e não sobre tempo para consultar livros, outros sites ou mesmo algum amigo. “O tempo é pequeno, as respostas são complexas e não são rotineiras. Tem que ter assistido à aula e dominar as questões”, afirma a diretora pedagógica Christina Fabel. A ansiedade causada pelo relógio a marcar os minutos restantes também é um fator que dificultaria a troca de respostas, segundo a diretora, motivo que impediria os colegas de fazerem a prova juntos: ajudar o outro implicaria perder tempo para realizar a sua própria prova.

A ideia da prova on-line surgiu a partir da constatação de que multinacionais e escritórios de advocacia faziam o primeiro processo seletivo para trainees via internet. “Por que não fazer isso na escola e preparar os alunos para o momento que virá depois? Se dá certo em grandes empresas, por que não ter coragem de fazer isso na escola?”, questiona Christina.

Ela ressalta que o ICJ tem gráficos comparando as notas obtidas com o método tradicional e com o novo, mostrando que não houve diferença no desempenho escolar na mudança de plataforma. Por via das dúvidas, as provas feitas via internet não valem mais do que três ou quatro pontos, em uma média de 10.

Colocar os alunos em contato com as ferramentas da tecnologia é uma ótima iniciativa, defende a professora de Letras da UFMG e especialista em tecnologias na educação Carla Viana Coscarelli. “Incorporar o computador à sala de aula é uma medida interessante, pois insere os alunos na vida digital, o que vai ser cobrado mais tarde no mercado de trabalho, seja de uma secretária, de um professor ou de um engenheiro”, afirma. Ela destaca que os jovens mantêm uma relação muito íntima com o computador e com a internet. Portanto, dissociar completamente o ensino dessas ferramentas pode colocar a escola em uma espécie de “universo paralelo”.

No entanto, ela ressalva os riscos de trapaça dos alunos e diz que nenhuma instituição deve resumir o rendimento do estudante à simples emissão de notas e à imparcialidade de uma prova por computador. “Avaliação é um processo contínuo, para ver como o jovem interage, se tem dúvidas e se presta atenção na aula. Isso só o professor pode fazer”, opina.

Fonte:

quinta-feira, 24 de maio de 2012

NÃO-ESCOLAS

A livre-aprendizagem na sociedade-em-rede
 
AUGUSTO DE FRANCO
em interação com Nilton Lessa - 2011
PDF para download free http://goo.gl/3PeD4
 
Fascinante! Escolas, igrejas, partidos, Estados, empresas hierárquicas: construímos tais instituições – que continuam reproduzindo o velho mundo; sim, são elas que fazem isso – como artifícios para escapar da interação, para ficar do “lado de fora” do abismo, para nos proteger do caos...

As escolas (e o ensino) tentam nos proteger da experiência da livre aprendizagem. As igrejas (e as religiões) tentam nos proteger da experiência de deus. Os partidos (e as corporações) tentam nos proteger das experiências da política (pública) feitas pelas pessoas no seu cotidiano. Os Estados tentam nos proteger das experiências glocais (de localismo cosmopolita). E as empresas (hierárquicas) tentam nos proteger da experiência de empreender.
Por isso que escolas são igrejas, igrejas são partidos, partidos são corporações que geram Estados, que também são corporações, que viram religiões, que reproduzem igrejas, que se comportam como partidos... Porque, no fundo, é tudo a mesma coisa: artifícios para proteger as pessoas da experiência de fluzz (*). (Não é a toa que todas essas instituições hierárquicas exigem “monogamia” dos que querem manter capturados, como se dissessem: “- Você é meu! Nada de transar com estranhos”).

Uma vez desconstituídos tais arranjos feitos para conter, contorcer e aprisionar fluxos, disciplinando a interação, uma vez corrompidos os scriptsdos programas verticalizadores que rodam nessas máquinas (e que, na verdade, as constituem), o velho mundo único se esboroa.

Isso está acontecendo. Não-escolas, não-igrejas, não-partidos, não-Estados-nações e não-empresas-hierárquicas começam a florescer. Com tal florescimento, a estrutura e a dinâmica das sociosferas estão sendo radicalmente alteradas neste momento, mas não por formidáveis revoluções épicas e grandes reformas conduzidas por extraordinários líderes heroicos, senão por pequenas experiências, singelas, líricas, vividas por pessoas comuns! Aquelas mesmas experiências de interação das quais fomos poupados. É como se tudo tivesse sido feito para que não experimentássemos padrões de interação diferentes dos que deveriam ser replicados. Mas nós começamos a experimentar. E “aqui estamos – como escreveu Hakim Bey (1984) em Caos – engatinhando pelas frestas entre as paredes da Igreja, do Estado, da Escola e da Empresa, todos os monólitos paranoicos”.

Neste texto vamos examinar o ensino e a escola para contemplar as possibilidades da livre-aprendizagem na sociedade-em-rede (**).
 
A emergência da livre-aprendizagem

Não é novidade para ninguém que, no mundo atual, qualquer pessoa que saiba ler e escrever e tenha acesso à Internet pode aprender muito mais do que podia há dez anos. Sim, isso é fato. Uma criança com noções rudimentares de um ou dois idiomas falados por grandes contingentes populacionais (como o inglês ou o espanhol, por exemplo), já é capaz de aprender muito mais – e com mais velocidade – do que um jovem com o dobro da sua idade que, há dez anos, estivesse matriculado em uma instituição de ensino altamente conceituada. Diz-se agora que, se souber ler (e interpretar o que leu), escrever, aplicar conhecimentos básicos de matemática na solução de problemas cotidianos e... banda larga, qualquer um vai sozinho.

A novidade é que isso não depende, nem apenas, nem principalmente, da tecnologia stricto sensu e sim de novos padrões de organização social que estão se configurando na contemporaneidade. Uma sociedade em rede está emergindo e, progressivamente, tornando obsoletos as instituições e os processos hierárquicos da velha sociedade de massa, inclusive as instituições e processos educacionais. Novas tecnologias de informação e comunicação – que permitem a interação horizontal ou entre pares (pessoa-com-pessoa) em tempo real – estão acelerando esse processo. Mas novas tecnologias sociais, tão ou mais importantes do que essas (chamadas TICs), também estão contribuindo para mudar radicalmente as condições de vida e convivência social neste dealbar do século 21.

Tudo isso vai mudar, em parte já está mudando, a maneira como executamos as nossas atividades empresariais, governamentais e sociais. Vai mudar a maneira como nos organizamos para produzir e comercializar, governar e legislar e conviver com as outras pessoas na sociedade. E – como não poderia deixar de ser – isso também está mudando a forma como aprendemos.

O problema é que as instituições e os processos educativos que foram pensados para um tipo de sociedade que está deixando de existir (à medida que emerge uma nova sociedade cuja morfologia e dinâmica já são, em grande parte, as de uma rede distribuída) ainda remanescem e continuam aplicando seus velhos métodos. Em que pese o papel fundamental que cumpriram nos últimos séculos, essas instituições e processos já começam hoje a ser obstáculos à criatividade e à inovação.

O que tivemos, pelo menos nos dois últimos séculos, foi, em grande parte, uma educação massiva e repetitiva, voltada para enquadrar as pessoas em um tipo insustentável de sociedade (instalando nas suas mentes programas maliciosos, elaborados para infundir noções de ordem, hierarquia, disciplina e obediência) e para adestrar a força de trabalho, para que os indivíduos pudessem reproduzir habilidades requeridas pelos velhos processos produtivos e administrativos e executar rotinas determinadas.

Agora estamos, porém, vivendo a transição para outra época, para uma nova era da informação e do conhecimento, na qual as capacidades exigidas são outras também. Nesta nova sociedade do conhecimento, o que se requer é que as pessoas sejam capazes de criar e de inovar, mudando continuamente os processos de produção e de gestão para descobrir maneiras melhores de fazer e organizar as coisas.

E isso elas só conseguirão na medida em que tiverem autonomia para aprender o que quiserem, da forma como quiserem e quando quiserem e para se relacionar produtivamente com outras pessoas de sua escolha, gerando cada vez mais conhecimento – o principal bem, conquanto intangível, deste novo mundo que já está se configurando.
Faz-se necessário, pois, libertar o processo educativo das amarras que tentam normatizá-lo de cima para baixo, em instituições organizadas igualmente de cima para baixo, hierarquizadas, burocratizadas e fechadas, desenhadas para guardar em caixinhas o suposto conhecimento a ser transferido, de uma maneira pré- determinada, para indivíduos que preencherem determinadas condições (e, não raro, à revelia do que eles próprios desejariam de fato aprender).

Ora, já se viu que o conhecimento é uma relação social e não um objeto que possa ser estocado, transportado, transferido ou transfundido de um emissor para um receptor. O processo de geração e compartilhamento do conhecimento ocorre na sociedade e torna-se cada vez mais difícil, custoso e improdutivo quando tentamos parti-lo em pedaços para arquivá-lo nos escaninhos de uma organização separada da sociedade por paredes opacas e impermeáveis.

O que de tão importante se descobriu nos últimos anos é que, em última instância, quem é educadora é a sociedade, a cidade, a localidade onde as pessoas vivem e se relacionam. Na verdade, foi uma redescoberta democrática: Péricles, no século 5 a. E. C., já havia percebido este papel educador da polis enquanto comunidade política, quando declarou – segundo Tucídides – na oração fúnebre proferida no final do primeiro ano da guerra do Peloponeso, “que a cidade inteira é a escola da Grécia e creio que qualquer ateniense pode formar uma personalidade completa nos mais distintos aspectos,dotada da maior flexibilidade e, ao mesmo tempo, de encanto pessoal”.

Portanto, sistemas educativos devem ser, sempre, sistemas sócio- educativos configurados em localidades, em sócio-territorialidades, quer dizer, em redes sociais que se conformam como comunidades compartilhando agendas de aprendizagem.
 
Aprendizagem, não ensino

As escolas foram urdidas para nos proteger da experiência da livre aprendizagem

Psiu! Cale a boca. Comporte-se! Pare de conversar. Pare de perguntar. Em vez de conversação, silêncio. A quem é inferior (ignorante) cabe apenas ouvir o superior (aquele que sabe). Isto foi, é e sempre será escola: um artifício para proteger os alunos da experiência de fluzz.

Sim, escolas não são comunidades de aprendizagem. São burocracias do ensinamento. Não são redes distribuídas de pessoas voltadas à busca e ao compartilhamento do conhecimento. São hierarquias sacerdotais cujo principal objetivo é ordenar indivíduos capazes de reproduzir atitudes de disciplina e obediência. Não são ambientes favoráveis à emergência de dinâmicas interativas, mas à imposição de relações intransitivas. Estruturas centralizadas, baseadas na separação de corpos: docente (hierarquia-ensinante) x discente (massa-ensinada).

A arquitetura traduz o conceito. Na chamada educação formal, escolas são construções que aprisionam crianças e jovens em salas fechadas, obrigados a sentar enfileirados, como gado confinado ou frangos de granja; pior: nas “salas de aula” ficam alguns – a maioria – olhando para a nuca dos outros. São campos de concentração e adestramento, onde o aluno tem de saltar obstáculos, vencer as provas. São prisões temporárias em que se tem de cumprir a pena, pagar a dívida. Não é por acaso que a maior recompensa na escola é passar de ano. Ano após ano. Até sair. - Ufa! Livre afinal.

Por que construímos tal aberração?

Fomos levados a acreditar que o ensino era o antecedente da aprendizagem. Em termos lógicos formais: ensino => aprendizagem; donde, formalmente: não-aprendizagem => não-ensino. Mas ao que tudo indica o ensino surgiu – como instituição – de certo modo, contra a aprendizagem. E não-ensino, dependendo das circunstâncias, pode até aumentar as possibilidades de aprendizagem. O que é sempre um perigo para alguma estrutura de poder.

Onde começou o ensino? Qual é a origem do professor? Ora, ensino é ensinamento. Mas ensinamento é, originalmente, (reprodução de) estamento (ou da configuração recorrente de um cluster enquistado na rede social). Alguém tem alguma coisa que precisa transmitir a outros. Precisa mesmo? Por quê? Alguém conduz (um conteúdo determinado, funcional para a reprodução de uma estrutura e suas funcionalidades). E alguém recebe tal conteúdo (tornando-se apto a reproduzir tal estrutura e tais funcionalidades). Eis a tradição!

Os primeiros professores – parece evidente – foram os sacerdotes. A primeira escola já era uma burocracia sacerdotal do conhecimento (uma estrutura hierárquica voltada ao ensinamento). Isso significa que só há ensinamento se houver hierarquia (uma burocracia do conhecimento).

Sim, todo corpus sacerdotal é docente. A tradição é tão forte que há até bem pouco a doutrina oficial católica romana (e ela não é a única) ainda dividia a igreja em docente (ensinante: os hierarcas) e discente (ensinada: os leigos). E as escolas, que também se estruturaram, em certo sentido, como igrejas (mesmo as laicas), consolidaram sua estrutura com base na separação de corpos entre docentes e discentes.

O que se ensina é um ensinamento. Quando você ensina, há sempre um ensinamento. Mas quando você aprende há apenas um aprendizado, não há um “aprendizamento”, quer dizer, um conteúdo pré-determinado do aprendizado. O que se aprende é o quê? Ah! Não se sabe. Pode ser qualquer coisa. Não está predeterminado.

Eis a diferença! Eis o ponto! A aprendizagem é sempre uma invenção. A ensinagem é uma reprodução. Mas como escreveu o poeta Manoel de Barros (1986) no Livro sobre Nada: “Tudo que não invento é falso” (1).

O professor como transmissor de ensinamento e a escola como aparato separado (sagrado na linguagem sumeriana) surgiram, inegavelmente, como instrumentos de reprodução de programas centralizadores (verticalizadores) que foram instalados para verticalizar (centralizar) a rede-mãe.

As escolas foram urdidas para nos proteger da experiência da livre aprendizagem. Toda verdadeira aprendizagem é livre. E toda livre aprendizagem é desensino. Aprender sem ser ensinado é subversivo. É um perigo para a reprodução das formas institucionalizadas de gestão das hierarquias de todo tipo.

Por isso o reconhecimento do conhecimento é, até hoje, um reconhecimento não do conhecimento-aprendido, mas do conhecimento-ensinado, dos graus alcançados por alguém no processo de ordenação a que foi submetido.

Mas como tuitou Pierre Lévy (2010), as universidades não têm mais o monopólio da distribuição do conhecimento; restou-lhes tentar reter em suas mãos o monopólio da distribuição do diploma.
 
Autodidatismo, não heterodidatismo

Eu busco o conhecimento que me interessa do meu próprio jeito

Na transição da sociedade hierárquica para a sociedade em rede estamos condenados a nos tornar buscadores cada vez mais autônomos. É assim que transitaremos do heterodidatismo para o autodidatismo: quando pudermos dizer: eu busco o conhecimento que me interessa do meu próprio jeito.

Aprender a aprender é a condição fundamental para a livre aprendizagem humana em uma sociedade inteligente. É ensejar oportunidades aos educandos de se tornarem educadores de si mesmos (aprendendo a andar com as próprias pernas ao se libertarem das muletas do heterodidatismo). O educando-buscador será um educador não-ensinante. Porque será um aprendente (2).

Nos Highly Connected Worlds, todos seremos, em alguma medida, autodidatas. Um autodidata é alguém que aprendeu a aprender. Uma criança, ou mesmo uma pessoa adulta ou idosa, navegando, lendo e publicando na web, é, fundamentalmente, um autodidata.

Todo aprendizado depende da capacidade de estabelecer conexões e reconhecer padrões. Cada vez mais será cada vez menos necessário que alguém ensine isso. Quando as possibilidades de conexão aumentam, também aumentam as possibilidades de reconhecer padrões (porque aumenta a frequência com que, conhecendo uma diversidade cada vez maior de padrões, nos deparamos com homologias entre eles); quer dizer que, a partir de certo grau de conectividade, o heterodidatismo não será necessário.

Nos dias de hoje, uma criança com acesso à Internet já é capaz de aprender muito mais – e com mais velocidade – do que um jovem com o dobro da sua idade que, há dez anos, estivesse matriculado em uma instituição de ensino altamente conceituada. Se souber ler (e interpretar o que leu), escrever, aplicar conhecimentos básicos de lógica e matemática na solução de problemas cotidianos e... banda larga, qualquer um vai sozinho. Ora, isso é terrível para os que querem adestrar as pessoas com o propósito de fazê-las executar certos papéis predeterminados. Isso é um horror para os que querem formar o caráter dos outros e inculcar seus valores nos filhos alheios.

Colecionadores de diplomas e títulos acadêmicos não terão muitas vantagens em uma sociedade inteligente. Suas vantagens proveem da idéia de que a sociedade é burra (e eles, portanto – que compõem a burocracia sacerdotal do conhecimento – são os inteligentes). Para se destacar dos demais – quando o desejável seria que se aproximassem deles – os “sábios” precisam que a sociedade continue burra.

Nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio quem organiza o conhecimento é a busca. Mas os caras ainda insistem em querer organizar o conhecimento para você (isto é o hetero-didatismo).

Toda organização do conhecimento para os outros corresponde a necessidades de alguma instituição hierárquica e está sintonizada com seus mecanismos de comando-e-controle. Toda organização do conhecimento de cima para baixo procura controlar e direcionar o acesso à informação por algum meio. Os organizadores do conhecimento para os outros ainda entendem conhecimento como “informação interpretada”. Interpretada, é claro, do ponto de vista de seus possíveis impactos sobre a estrutura e a dinâmica das organizações hierárquicas de que fazem parte. Pretendem, assim, induzir comportamentos adequados à reprodução da estrutura e da dinâmica dessas organizações hierárquicas.

Por meio da urdidura de sistemas de gestão do conhecimento – desde os velhos currículos escolares aos modernos knowledge management systems, por exemplo – querem codificar, disseminar e direcionar a apropriação de conhecimentos para formar agentes de manutenção e reprodução de determinado padrão organizacional.

Mas já vivemos em um momento em que não se pode mais trancar o conhecimento – esse bem intangível que, se for aprisionado (estocado, protegido, separado), decresce e perde valor e, inversamente, se for compartilhado (submetido à polinização ou à fertilização cruzada com outros conhecimentos) cresce, gera novos conhecimentos e aumenta de valor (e é isto, precisamente, o que se chama de inovação). E estamos nos aproximando velozmente de uma época em que será cada vez menos necessária uma infraestrutura hard instalada para produzir conhecimento (e inclusive outros produtos tangíveis, como estão mostrando as experiências nascentes de peer production ou crowdsourcing).

Novos ambientes interativos surgidos com a Internet já estão mostrando também a improdutividade (ou a inutilidade mesmo) de classificar o conhecimento a partir de esquema classificatório construído de antemão. Por exemplo, nos primeiros tempos do Gmail havia a recomendação: não classifique, busque! Hoje continua lá, literalmente: “O foco do Google é a pesquisa, e o Gmail não é exceção: você não precisa perder tempo classificando seu e-mail, apenas procure uma mensagem quando precisar e a encontraremos para você”.

É claro que as buscas atuais (na Internet, por exemplo) ainda são feitas em mecanismos fechados que não permitem que o usuário redefina ou modifique os algoritmos de acordo com suas percepções e necessidades. Mas a tendência é que a busca seja cada vez mais programável e cada vez mais semântica (3).

A busca semântica substituirá boa parte dos esforços feitos até agora para “organizar” o conhecimento. Mas é o perfil da busca – bottom up – que vai dizer qual o conhecimento que é relevante e não a decisão de um centro de comando-e-controle que queira dizer às pessoas – top down – o que elas devem conhecer.

Todos esses esforços por manter padrões verticais de um tipo de sociedade que já está fenecendo vão ser implacavelmente punidos pelas estruturas e pelas dinâmicas horizontais emergentes das novas sociosferas que estão florescendo. Nesses mundos altamente conectados toda a gestão de organizações (inclusive a gestão do conhecimento) é regulada por meio de outros processos em rede.

O autodidata é um buscador, mas quem busca é a pessoa. A pessoa é o indivíduo conectado e que, portanto, não se constitui apenas como um íon social vagando em um meio gelatinoso e exibindo orgulhosamente suas características distintivas e sim também como um entroncamento de fluxos, uma identidade que se forma a partir da interação com outros indivíduos. A pessoa como continuum de experiências intransferíveis e, ao mesmo tempo, como série de relacionamentos, aprende por estar imersa (conectada) em um ambiente educativo entendido como ambiente de aprendizagem.

Headhunters inteligentes não estão mais se impressionando tanto com a coleção de diplomas apresentados por um candidato a ocupar uma vaga em uma instituição qualquer. Querem saber o que a pessoa está fazendo. Querem saber o que ela pode ser a partir do que pretende (do seu projeto de futuro) e não o que ela é como continuidade do que foi (da repetição do seu passado). Está certo: como se diz, o passado “já era”. O novo posto pretendido não será ocupado no passado e sim no futuro. Então o que é necessário avaliar é a linha de atuação ou de pensamento que está sendo seguida pelo candidato.

Em breve, as avaliações de aprendizagem serão feitas diretamente pelos interessados em se associar ou em contratar (lato sensu) uma pessoa. Redes de especialistas de uma área ou setor continuarão avaliando os especialistas da sua área ou setor. Mas essa avaliação será cada vez horizontal. E, além disso, pessoas avaliarão outras pessoas a partir do exame das suas expressões de vida e conhecimento, pois que tudo isso estará disponível, será de domínio público e não ficará mais guardado por uma corporação que tem autorização exclusiva para acessar e licença oficial para interpretar tais dados.

Cada pessoa poderá ter, por exemplo, a sua própria wikipedia. Ao invés de aceitar apenas as oblíquas interpretações doutas, passaremos a verificar diretamente a wikipedia de cada um – o arquivo-vivo que contém as definições dos termos habituais, os pontos de vista, as referências, os trabalhos e as conclusões sobre os assuntos da sua esfera de conhecimento e de atuação. Quem gostar do que viu, que contrate ou se associe ao autor daquela wikipedia. Ponto final.
 
Alterdidatismo, não heterodidatismo

“Eu guardo o meu conhecimento nos meus amigos”


De certo ponto de vista, nos Highly Connected Worlds qualquer um vai sozinho, desde que tenha aprendido o fundamental. O fundamental, como vimos, é aprender a aprender. O fundamental não pode estar baseado na transferência de conteúdos temáticos secundários e sim na disponibilização de ferramentas de auto-aprendizagem e de comum-aprendizagem. Os que se metem a organizar processos educativos para os outros deveriam começar perguntando o que é necessário para que uma pessoa e uma comunidade possam fazer o seu próprio itinerário de aprendizagem.

Do ponto de vista do aprendizado – do sujeito aprendente e não do objeto ensinado –, três condições caracterizam a inteligência tipicamente humana (quer dizer, sintonizada com o emocionar humano): estabelecer conexões; reconhecer padrões; e linguagear e conversar (no sentido que Humberto Maturana confere a essas noções) (4).

A partir daí estamos falando de humanos (e é necessário fazer essa ressalva porquanto máquinas também podem aprender) e podemos então listar as ferramentas de autoaprendizagem ou “alfabetizações” (em um sentido ampliado): a alfabetização propriamente dita, na língua natal (ler e escrever e interpretar o que leu); e as outras “alfabetizações”, como, por exemplo, em uma segunda língua da globalização (pelo menos ler, em inglês ou espanhol); matemática (dominar as operações matemáticas elementares e aplicar esses conhecimentos básicos na vida cotidiana); lógica (aprender a argumentar e identificar erros lógicos em argumentos simples); digital (navegar e publicar na Internet e operar as ferramentas digitais de inserção, articulação e animação de redes).

Estes – ao que parece – são os requisitos e as ferramentas contemporâneas da inclusão educacional. Quem dispõe deles pode caminhar sozinho; ou seja, de posse de tais instrumentos, cada um, em função de suas opções pessoais, pode traçar seus próprios itinerários de formação e compartilhá-los com suas redes de aprendizagem. Esses são os requisitos para o autodidatismo.

No entanto, de outro ponto de vista – o do alterdidatismo – a rigor, ninguém pode continuar caminhando sozinho. Aprender a aprender está intimamente relacionado a aprender a interagir em rede. Mesmo que a escola básica se dedicasse precipuamente a isso, mesmo assim não se poderia abrir mão da educação em casa (a primeira rede social na qual o ser humano se conecta), nem da educação comunitária (a expansão dessa rede, envolvendo os vizinhos, os amigos e conhecidos mais próximos).

O aprender a conviver (com o meio natural e com o meio social) talvez requeira outras “alfabetizações”: por exemplo, a alfabetização em sustentabilidade (incluindo alfabetização ecológica e alfabetização para o empreendedorismo e para o desenvolvimento humano e social sustentável local ou comunitário); e a alfabetização democrática (em um sentido deweyano do termo: para a vida comunitária e para as formas de relacionamento que ensejam a regulação social emergente; i. e., as redes sociais distribuídas). Mas essas “alfabetizações” não são temas curriculares ou disciplinas. São drives capazes de gerar agendas compartilhadas de aprendizagem.

Não é por acaso que a educação para a sustentabilidade, quer dizer, para a vida (em um sentido ampliado, envolvendo os ecossistemas, inclusive o ecossistema planetário) e para convivência social, não compareçam nos currículos escolares. Elas não são propriamente objetos de ensino e sim de aprendizagem-na-ação compartilhada. Ninguém é capaz de aprender essas coisas apenas tomando aulas ou lendo textos. É necessário vivê-las, experimentá-las, ou melhor, convivê-las (e é por isso que são drives geradores de agendas compartilhadas de aprendizagem).

É compartilhando essas agendas de aprendizagem que o educador se torna um educando (um aprendente da interação educadora). Nesse aprender-fazendo esvai-se a distinção entre professor e aluno: todos passam a ser agentes comunitários de educação.

Portanto, quando se diz (do ponto de vista do autodidatismo) que qualquer um vai sozinho, e quando se diz (do ponto de vista do alterdidatismo) que, a rigor, ninguém pode caminhar sozinho, está-se dizendo a mesma coisa: que o heterodidatismo no qual se baseiam os sistemas de ensino é uma muleta que deve ser abandonada.

Na transição da sociedade hierárquica para a sociedade em rede estamos condenados a nos tornar polinizadores cada vez mais interdependentes. É assim que transitaremos do heterodidatismo para o alterdidatismo: quando pudermos dizer: eu guardo o meu conhecimento nos meus amigos.

A escola que já se prefigura no final desse trajeto é uma não-escola. A escola é a rede. Nela, todos seremos alterdidatas. Um alterdidata é alguém que aprendeu a conviver com o meio natural e com o meio social em que vive.

Aprender a conviver com o meio natural e com o meio social é ensejar oportunidades aos educadores de se tornaram educandos da interação comunitária na nova sociedade em rede (desaprendendo ensinagem ao se libertarem das muletas do heterodidatismo). O educador-polinizador será alguém que desaprendeu a ensinar. Porque será um aprendente.

Dominar a leitura e a escrita, saber calcular e resolver problemas, ter condições de compreender e atuar em seu entorno social, ter habilidade para analisar fatos e situações e ter capacidade de acessar informações e de trabalhar em grupo, são geralmente apresentados como objetivos do processo educacional básico. No entanto, para além, muito além, de tudo isso, os novos ambientes educativos em uma sociedade-rede tendem a valorizar outras competências ou habilidades, como a de identificar homologias entre configurações recorrentes de interação que caracterizamclusters (e, consequentemente, reconhecer potenciais sinergias e aproveitar oportunidades de simbiose), saber não apenas acessar, mas produzir e disseminar informações e conseguir não somente trabalhar em grupo, mas fazer amigos e viver e atuar em comunidade.

De certo modo, tudo o que parece realmente necessário para a convivência ou a vida em rede, como a educação para a democracia, a educação para o empreendedorismo e para o desenvolvimento ou a sustentabilidade, não comparece nos currículos das escolas. Não pode ser por acaso. Isso talvez corrobore a constatação de que a escola é uma das instituições que mais resistem ao surgimento da sociedade- rede.

Por quê? Ora, porque embora se declarem instituições laicas, as escolas são, no fundo, igrejas; ou seja, ordens hierárquicas (sacerdotais) que decidem o que as pessoas devem (saber) reproduzir. Graus de aprendizagem (na verdade, de ensino) são ordenações: medem a sua capacidade de replicar uma determinada ordem. Não é por acaso que a educação a distância encontrou fortíssima resistência na academia. Pelos mesmos motivos, processos e programas educacionais extraescolares são duramente combatidos pelas corporações de professores, que argumentam – sem se darem conta de que, com isso, estão apenas revelando seu caráter sacerdotal – que não se pode deixar a educação nas mãos de leigos...

No entanto, neste momento estão sendo elaboradas e testadas metodologias compatíveis com processos de inteligência coletiva (“learn from your neighbours” - Steve Johnson; “I store my knowledge in my friends” - Karen Stephenson) baseadas na idéia de cidade educadora reconceitualizada como cidade-rede de comunidades que aprendem. Novas práticas estão surgindo a partir de experiências voltadas ao estímulo ao autodidatismo, adaptadas às novas formas de interação educativa extraescolares, como o homeschooling e, sobretudo, communityschooling, porém na linha dounschooling. Novas teorias da aprendizagem, como o conectivismo, estão tentando mostrar como as redes sociais devem constituir o padrão de organização das novas comunidades de aprendizagem capazes de disseminar e empregar ferramentas de autoaprendizagem e de comum-aprendizagem (5).
 
Não-escolas: a escola é a rede

Nós produzimos nosso conhecimento comunitariamente (em rede)


Nos Highly Connected Worlds a educação não pode ser mais nada disso que andaram falando nos últimos quatro séculos do mundo único. Simplesmente porque não haverá ‘a’ educação.

O conceito de educação – ao contrário do que parece – é um conceito totalizante e regressivo. Não é a toa que tenha surgido juntamente com o conceito de sociedade. Não pode existir ‘a’ educação, assim como não pode existir ‘a’ sociedade. Não há uma educação e sim uma diversidade de processos de aprendizagem. Não há uma sociedade e sim uma diversidade de sociosferas.

O consenso que se generalizou sobre ‘a’ educação é paralisante. A crença de que a educação vai resolver todos os problemas está tão generalizada que as pessoas sequer percebem que, se isso fosse verdade, países como a Bulgária ou Cuba seriam considerados desenvolvidos.

Quando os processos de aprendizagem forem libertados – ou quando a geração de sociosferas (uma espécie de “lei do ventre livre” social) for libertada: no fundo é a mesma coisa! – a educação na sociedade terminará.

A escola que já se prefigura no final desse trajeto é uma não-escola. A escola é a rede. Nela, todos seremos autodidatas e alterdidatas: quando pudermos dizer: nós produzimos nosso conhecimento comunitariamente (em rede).
Um autodidata-alterdidata é alguém que aprendeu a aprender-convivendo. Como buscadores e polinizadores, não seremos ensinados nem ensinadores. Porque todos seremos aprendentes.

Sociosferas em que as redes são as escolas serão aquelas “sociedades desescolarizadas”, como queria o visionário Ivan Illich (6). A sociedade sem escola de Illich poderia ser renomeada como a sociedade-escola, desde que ficasse claro que se trata da sociedade- rede; ou seja, estamos falando das comunidades educadoras que se formam na sociedade-rede.
Nesse sentido, não são os aparatos educativos hierárquicos, enquistados na sociedade, que educam basicamente: na medida em que a sociedade de massa vai dando lugar à sociedade em rede, são as próprias sociosferas (glocais) que educam, por meio das comunidades (clusters) que necessariamente se formam em seu seio.

Comunidades educadoras são, antes de qualquer coisa, comunidades de aprendizagem, quer dizer, comunidades-que-aprendem. Isso vale para tudo, não apenas para as escolas como aparatos da educação formal. Também virarão não-escolas os centros de pesquisa e investigação, as sociedades filosóficas e os grupos criativos que usinam novas ideias e inauguram novas maneiras de pensar (a escola na sua acepção de think tank ou escola de pensamento).

Matar a escola = matar o Buda

Quando o mestre está preparado, o discípulo desaparece

É difícil entender a natureza de uma não-escola. No mundo único as pessoas buscavam um sistema produtor de respostas capazes de fazer sentido global para elas. Eram atraídas por religiões, igrejas e seitas (religiosas e laicas), sociedades filosóficas e escolas de pensamento (mesmo aquelas que, baseadas na conversação, se intitulavam comunidades). Elas forneciam a proteção contra a pergunta-disruptiva por meio de uma meta-explicação coerente, a segurança de uma grande narrativa totalizante ou de esquemas explicativos gerais que permitiam que alguém se identificasse e comungasse com outros que palmilhavam o mesmo caminho e tivesse, assim, uma justificativa ética para se fechar à interação com o outro-imprevisível. Mas tudo isso é escola!

É muito difícil não construir um esquema organizador para as conversas mantidas por qualquer grupo. Mas a tarefa em uma não-escola não é criar uma espécie de wikipedia, nem mesmo uma contextopedia, com os significados que foram sendo construídos via consenso-administrado a partir do debate ou da conversação. Não há significados gerais universais. Não há significados sempre válidos para os mesmos contextos (inclusive porque, a rigor, nunca se repetem "mesmos contextos"). Há significâncias atribuídas por sujeitos em interação e válidas para os momentos de interação em que tais sujeitos estão envolvidos. São significados-fluzz, que mudam continuamente com o fluxo e o máximo que podemos fazer é mapear as relações entre esses significados mutantes. Sim, reconheçamos que não é fácil para nós aceitar o presente, não é fácil resistir à tentação de arquivar o passado em caixinhas, sobretudo se as plataformas que utilizamos são p-based (baseadas em participação) e não i-based(baseadas em interação).

Mas já não se trata mais de sistematizar conteúdos ou de interpretar e sintetizar respostas cognatas ou convergentes. Trata-se agora apenas de linkar para facilitar a busca. Quem organiza o conhecimento é a busca. Quem produz (novo) conhecimento (como relação sempre inédita, não como conteúdo arquivável) não é a gestão, mas a interação.

Na configuração de novos ambientes interativos de produção de conhecimento não deve haver "progresso", no sentido de constituição de um corpo coerente, que vai se tornando cada vez mais redondo e polido (até que a epistemologia consiga espelhar a ontologia). Não se trata de construir um códex, uma doutrina, um ensinamento, uma teoria explicativa de tudo, uma nova plataforma de visão de mundo. Isso é o que diferencia as novas escolas-não-escolas dos mundos altamente conectados, de uma escola, quer dizer, de uma igreja (7).

Sim, as escolas como centros de pensamento também são igrejas. Elas surgem quando criamos programas de separação entre os de dentro e os de fora a partir de um conteúdo, de uma mensagem, de uma doutrina, de um conjunto de ideias que alguns compartilham e outros não. Se fizermos isso, erigiremos uma escola; quer dizer, uma igreja.

Se você junta os que compartilham qualquer corpo de ideias (mesmo que sejam ideias tão heterodoxas e libertárias como estas que estão sendo expostas aqui e agora) e, a partir daí, constrói um coletivo, você está fazendo uma escola. Não importa o que você pense, valorize, fale ou pregue: você ensina, quer dizer, escorre por um sulco já cavado pelo ensinamento!

Há uma coerência interna e há completude em boa parte das escolas de pensamento que floresceram nos milênios passados. É como um mundo que foi construído (e ninguém se engane: há sabedoria nesse mundo; a questão é que sabedoria não pode ser um critério aceitável para validar sistemas hierárquicos). E ocorre que existem múltiplos mundos. Se você exige que uma pessoa viva na coerência do mundo que você construiu como condição para se deixar alterar por essa pessoa (ou seja, interagir com ela), então você não está realmente aberto à interação (com o outro-imprevisível): você quer participação dos outros no seu espaço, o que é uma forma de exigir (sem aparentemente fazer qualquer exigência formal) que os outros vivam na mesma coerência em que você vive. Mas essa é a definição de seita, de escola.

Não é um problema de comunicação, de adaptar a linguagem ou adotar uma postura tática para se fazer entender pelos "de fora". Nada disso. O problema aqui é a rede (ou melhor, a falta dela).

Esse comportamento em geral não é intencionalmente constituído e reproduzido. Ele é uma decorrência do padrão de organização adotado. Faça uma rede aberta de conversações e ele se esfuma; ou seja, a escola desaparece para surgir em seu lugar uma rede de livre aprendizagem. Assim como desaparecerá o codex, o corpo doutrinário referencial único: ou seja, o legado fundante da escola de pensamento desaparecerá para dar lugar a miríades de construções conceituais por ele inspiradas.

O problema é que toda ereção de um sistema implica uma armadilha. Você fica rodando dentro dele. E para dialogar com as pessoas que vivem nele, você também precisa também rodar dentro dele. A palavra "rodar", aqui, é empregada no sentido contemporâneo de "rodar um programa" (software). Sim, porque o sistema sobre o qual falamos, é um programa de atribuições de significados e, mais do que isso, de construção dos processos particulares pelos quais se atribui significados. Para interagir com quem está dentro do sistema você precisa se plugar e "carregar" o programa (em você). Ao carregar o programa, você carrega também sua linguagem (script) e, além disso, seu linguageado e, às vezes, até mesmo seu gestual.

Pode-se retrucar que isso ocorre, em maior ou menor medida, com qualquer construção conceitual que apresente os critérios epistemológicos de coerência interna e completude. É verdade. Mas quando o sistema valida seus argumentos internamente, estando os critérios de validação tão implicados no que se quer validar e vice-versa (ou seja, estando a epistemologia tão fundida à ontologia), a verificabilidade fica subordinada (sub-ordenada) pela explicação auto-referente. É por isso que, em ciência, não se pode abrir mão do critério da verificabilidade, que deve ter o mesmo status epistemológico dos critérios da coerência interna e da completude (as quais, sozinhas, não bastam).

Assim, os resultados de uma explicação devem sempre poder ser verificados por sujeitos que adotam outros esquemas explicativos.

Um bom exemplo de escola de pensamento é a escola freudiana nos seus primórdios. Uma pessoa deve poder verificar os efeitos do que a explicação freudiana atribui a determinado complexo sem ter que adotar a explicação freudiana. Se sou obrigado a me tornar freudiano para perceber os fenômenos psíquicos que poderiam ocorrer com quaisquer seres humanos independentemente da explicação freudiana (e da existência de Freud), então estou preso a um sistema incapaz de interagir com outras explicações (externas às circularidades freudianas). E corro o risco de recair no dogmatismo dos primeiros freudianos: uma pessoa deve poder contestar a existência de um complexo sem ser acusada de estar fazendo isso justamente por estar possuída por tal complexo. Em alguma medida, isso ocorre com todos os sistemas autorreferentes, sobretudo na sua "primeira-infância".

Eric Raymond (2001), no Hacker Howto (8) aconselhava o estudo do Zen aos hackers, sem dúvida um formidável software de desconstituição de certezas, compartilháveis por uma ou várias comunidades. Talvez seja o caso, porém, de voltar ao Tao, para limar as aderências doutrinárias que o Zen adquiriu: ao se fundir ao budismo foram introduzidos conteúdos... Sim, continua sendo o Zen, mas só depois de você matar o Buda.

Qualquer comunidade de pensamento precisa matar o seu fundador (que é, inclusive, a melhor forma de amá-lo). Quando esse fundador é uma pessoa, precisa se livrar das aderências de um modo-de-argumentar, de uma autêntica maneira particular de pensar, falar e escrever que fazia sentido para aquele ser humano unique que a fundou. E o passo seguinte dessa ação de amar tão profundamente o fundador ao ponto de matá-lo é não constituir um grupo proprietário em torno de suas ideias, de abrir mão de erigir um corpo docente (uma escola) a partir de um corpo teórico para propagar um ensinamento que possa ser diferencialmente ministrado por "representantes autorizados", ainda que tudo isso seja – o que será pior – chancelado pelo próprio fundador. Isso é uma condição de contorno opaca quando precisamos de membranas.

Não afirmamos que se deva matar o fundador apenas no sentido de matar a sua imagem idealizada e introjetada, tal como alguns interpretam o lema killing the buddha (como disse a pessoa-zen Lin Chi: “Se o Buda cruzar seu caminho, mate-o”). Trata-se de desabilitar um programa verticalizador que roda na rede gerando instituições que congelam fluxos. Trata-se de 'matar a escola' (no caso, constituída sobre um legado de pensamento transformado em ensinamento).

Não tem nada a ver com querer ver morto algum fundador por achar que ele já está caduco ou ultrapassado. É o contrário. Quando se diz "matar o Buda" isso significa uma admiração suprema pelo Buda, como prefiguração do Buda que está-em-devir em cada um de nós e que só vai despertar quando o Buda que está fora desaparecer como referência (externa porém introjetada em uma espécie de falsa conniunctio). Mas, particularmente, no contexto desta discussão, significa matar a escola como ordenação do ensinamento abrindo possibilidades de formação de múltiplas comunidades de aprendizagem para além do círculo restrito dos que se matriculam em um curso ou seguem um programa privando da convivência de um grupo determinado.

Ocorre que com a acelerada emergência, agora, dos Highly Connected Worlds, vida humana e convivência social tendem a se aproximar a ponto de revelar ou deixar entrever um superorganismo humano. Isso nos obriga a mudar nossas interpretações. E é um choque para as chamadas tradições espirituais (todas estas são artifícios para administrar espiritualidades conformes ao mundo patriarcal e não por acaso são baseadas nas escolhas do indivíduo, são ministradas por escolas - burocracias sacerdotais do ensinamento - e mantêm a relação mestre-discípulo). Agora será preciso mostrar que quando o mestre está preparado, o discípulo desaparece e, portanto, chegar à condição de mestre é chegar à condição do aprendente: aquele que matou o mestre não apenas quando matou a imagem idealizada do mestre dentro de si (introjetada), mas quando matou a escola. E tudo isso para quê? Ora, para que o Buda morto não renasça nas mãos dos que o mataram.

Em outras palavras, não há como construir a base ideológica (ou de mundivisão) para uma grande narrativa em uma época em que não cabem mais os esquemas totalizantes de apreensão do mundo e de interação com o mundo. Não é mais possível a existência de uma (única) matriz ética para a humanidade. Em uma época em as redes cobrem o planeta como uma pele e em que, por um processo fractal, uma pluralidade de mentes globais está surgindo, não se trata mais de forjar um grupo para usinar um modelo e espalhá-lo e sim de surfar nas ondas interativas que estão fertilizando os diversos modelos que emergem de uma diversidade de comunidades de prática, de aprendizagem e de projeto que estão brotando e submetendo seus programas à esse tipo de polinização complexa. Essa visão é chave para não irmos parar de volta em algum lugar do passado: o processo é fractal! Não é possível salvar o mundo de uma vez: só é possível salvá-lo um instante de cada vez... (9) Mesmo porque não existe mais um mundo: os mundos já são – e serão, cada vez mais – múltiplos.

Sim, não estamos mais na época do anúncio de uma nova proposta que, se abraçada por muitos no seu refletir-agir, vai supostamente salvar o planeta (harmonizar biosfera com antroposfera), redimir a humanidade ou nos levar para um porvir radiante. Não sabemos qual é o futuro. Sobretudo porque esse futuro (um futuro), felizmente, morreu. Não podemos pretender levar ninguém para lugar algum. A época em que vivemos é a época da desistência (10). A hora que vivemos é, portanto, a hora de abrir mão dessas pretensões de conduzir povos, orientar nações, mobilizar pessoas em torno de um objetivo comum para transformar a sociedade (e ‘a’ sociedade, como vimos, é uma abstração regressiva).
Fomos contaminados por um padrão transformacional de mudança e queremos então transformar a sociedade. Mas... transformar para chegar aonde? E transformar o quê? E transformar em quê? E transformar por quê?

Atravessados por essa pulsão transformacionista, legiões de militantes que continuam habitando os séculos passados vivem querendo fazer mudanças (que eles não podem, honestamente, saber quais são) em nome de uma causa. Mas é inútil. As mudanças em sistemas complexos (e as sociedades humanas são sistemas complexos) ocorrem, em boa parte, espontaneamente (se entendermos por isso que ocorrem em virtude de fluições que não alcançamos compreender e determinar). Estamos lidando com uma ordem de fenômenos que não podemos manejar (e é bom para a liberdade – para a livre aprendizagem humana – que não possamos fazer isso). A livre aprendizagem humana só pode ocorrer em redes de aprendizagem, quando nos libertarmos das escolas.

Se quisermos uma rede de aprendizagem – i. e., uma não-escola – não podemos constituir um grupo que saia pelo mundo propagando um legado baseado nas ideias de algum fundador. Para ser uma rede, o legado tem que ser open, para poder ser desenvolvido, alterado, modificado, sem necessidade de ordenação ou chancela. Para poder ser rede a membrana deve deixar entrar e sair outros conteúdos dentro do escopo estabelecido (posto que se será uma rede voluntariamente construída haverá um escopo delimitado e algumas regras ou acordos de convivência, mas isso nada tem a ver com a adesão a um conteúdo substantivo). Sempre sem exigências, é claro. Mas sabendo que sem interagir com o outro imprevisível, com aquele que não planejamos interagir, não pode haver rede (social distribuída).

Em suma, uma escola deve ser uma não-escola para ser rede. Não basta fluir na sintonia interna dos que acolhem o outro que reconhecem como desejoso de conservar o que querem conservar, do lugar onde estão, desde que esse conservar seja referente a um compartilhar um determinado conteúdo. Dizendo a mesma coisa de outra forma, não é o desejo (dos sujeitos) de conservar determinado corpo teórico, nem mesmo o desejo de conservar um modo de convivência explicitável e explicável (pelos sujeitos) que constitui a comunidade humana (ou a rede). A rede acontece quando você interage. Tudo que podemos fazer para ensejar a interação é evitar a produção artificial de escassez (é mais um não-fazer). Não adianta sistematizar conteúdos e esperar que, sintonizando-se com tais conteúdos, as pessoas passarão a conviver em rede. Isso ainda está no terreno do proselitismo (uma dimensão de ensino, de propagação de ensinamento, não de aprendizagem). As regras ou acordos de convivência estabelecidos por uma rede voluntariamente construída não são o mesmo que a adesão a um conteúdo substantivo (e, portanto, ninguém pode ser expulso de uma não-escola por estar em desacordo ou dessintonia com um conteúdo e ninguém terá como condição para ser admitido estar de acordo com tal conteúdo, como fazem as religiões, as seitas iniciáticas e as escolas de pensamento, inclusive as escolas budistas que aconselham matar o Buda).
 
Ensinadores são mantenedores do velho mundo

Os primeiros ensinadores – os sacerdotes – ensinavam para reproduzir (ou multiplicar os agentes capazes de manter) seu próprio estamento.

Ensinadores são os que compõem a burocracia privatizadora do conhecimento: aquela casta sacerdotal que constitui as escolas e academias.

Os ensinadores surgiram naquela noite dos tempos que o matemático Ralph Abraham (1992) chamou de “precedente sumeriano” (11).

É surpreendente constatar, como fizeram Joseph Campbell, Samuel Noah Kramer e outros renomados sumeriologistas, que os elementos centrais da nossa cultura, dita civilizada, compareciam em uma espécie de modelo ou protótipo ensaiado em complexos do tipo cidade-templo-Estado como Eridu, Nippur, Uruk, Kish, Acad, Lagash, Ur, Larsa e Babilônia. Esse modelo já estava em pleno funcionamento, segundo interpretações de relatos que não puderam ser contestadas, a partir do quarto milênio. Em particular a obra de Kramer (1956): “A história começa na Suméria”, revela as raízes sumerianas do atual padrão civilizatório (12).

Joseph Campbell (1959), em “As Máscaras de Deus”, redigiu uma espécie de termo de referência para esta investigação (13):
“Um importante desenvolvimento, repleto de significado e promessas para a história da humanidade nas civilizações por vir, ocorreu... [por volta] (de 4.000 a. C.), quando algumas aldeias camponesas começaram a assumir o tamanho e a função de cidades mercantis e houve uma expansão da área cultural... pelas planícies lodosas da Mesopotâmia ribeirinha. Esse é o período em que a misteriosa raça dos sumérios apareceu pela primeira vez em cena, para estabelecer-se nos terrenos das planícies tórridas do delta do Tigre e do Eufrates, que se tornariam em breve as cidades reais de Ur, Kish, Lagash, Eridu, Sipar, Shuruppak, Nipur e Erech... E então, de súbito... surge naquela pequena região lodosa suméria – como se as flores de suas minúsculas cidades subitamente vicejassem – toda a síndrome cultural que a partir de então constituiu a unidade germinal de todas as civilizações avançadas do mundo. E não podemos atribuir esse evento a qualquer conquista da mentalidade de simples camponeses. Tampouco foi a conseqüência mecânica de um mero acúmulo de artefatos materiais, economicamente determinados. Foi a criação factual e claramente consciente (isto pode ser afirmado com total certeza) da mente e ciência de uma nova ordem de humanidade que jamais havia surgido na história da espécie humana: o profissional de tempo integral, iniciado e estritamente arregimentado, sacerdote de templo”.

Respeitados estudiosos confessam até hoje sua perplexidade diante da constelação desse ‘precedente sumeriano’ (para insistir na feliz expressão do matemático Ralph Abraham) (14). É o caso, por exemplo, da antropóloga e assirióloga Gwendolyn Leick, que leciona em Richmond (Londres). No seu “Mesopotâmia: a invenção da cidade” (2001), ela declara que “muito se tem escrito sobre o “súbito” aparecimento dos sumérios na Mesopotâmia e suas possíveis origens... [mas] a questão da origem dos sumérios continua aguardando solução, e tudo o que podemos dizer é que, no início do Primeiro Dinástico, sua língua foi escolhida para ser vertida em escrita. Talvez os sumérios se tivessem tornado politicamente dominantes e exercido o controle dos centros de formação de escribas nas primeiras cidades” (15).

Essa casta ou estamento – composta pela burocracia sacerdotal que administrava as nascentes cidades-templo-Estado sumerianas – configurou o primeiro padrão de transmissão de ensinamento. Ensinavam como um imperativo para reproduzir seu próprio ensinamento; quer dizer, ensinavam para reproduzir (ou multiplicar os agentes capazes de manter) seu próprio estamento.

Por quê? Ora, porque o livre aprendizado na rede social de então não seria capaz de cumprir tal função, que nada tinha a ver com sua sobrevivência ou com sua convivência. Não se tem notícia de escola, ensino ou professores em sociedades de parceria. Quando a rede social foi subitamente centralizada pela configuração particular que se constelou com o surgimento do complexo cidade-templo-Estado, os programas verticalizadores que começaram a rodar nessa rede eram replicados em outras regiões do espaço e do tempo pela transmissão-recepção de seus códigos – e já havia programas elaborados, como os que os sumérios denominavam ‘me’ (16) – aos membros do mesmo grupo social.

Ou seja: já havia um ensinamento (secreto, por certo, acessível somente aos membros do estamento). Já havia ensinantes (os primeiros professores, membros da casta sacerdotal) e ensinados (os futuros administradores em formação).

Essa hipótese é fortalecida pela investigação das origens da Kabbalah. O símbolo central desse sistema de sabedoria – a chamada “Árvore da Vida” – foi, sem dúvida, herdado do simbolismo templário do complexo Templo-Estado sumeriano, o qual deve ter passado ao judaísmo posterior por intermédio da Golah – a organização dos cativos (sequestrados nas elites de Jerusalém) na Babilônia sob o reinado de Nabucodonozor e seu sucessor.

Não se sabe a origem da 'árvore da vida', mas ela aparece nas imagens da tamareira gravadas nas mais antigas tabuinhas sumerianas encontradas pelos escavadores. E aparece também – com o mesmo esquema, que depois foi transmitido pela tradição (cabalística) – na forma de uma nave, ladeada por dois seres alados (com cabeças de águia). Uma nave – talvez como as naves dos templos, até hoje – que não sai do lugar, mas por meio da qual se pode “viajar” para os céus caso se tenha acesso ao “combustível” adequado: ao “fruto da vida” e à “água da vida”...

O mesmo schema básico da árvore da vida, representada em vários mundos que se interceptam (os da emanação, da criação, da formação e do produzir) compõe o que foi chamado de “Escada de Jacó”, uma escada pela qual os mensageiros – ou as mensagens – podem subir e descer estabelecendo os fluxos entre o céu e a terra. Isto é anisotropia: o céu, é claro, fica em cima; a transmissão, é claro, é top down. E o esquema é mais centralizado que distribuído (17).

Essa ideologia de raiz babilônica (suméria) que, quase dois milênios depois, foi se chamar de Kabbalah (cabala), na Idade Média européia, fez uma operação tremenda de “engenharia memética” no símbolo original, ressignificando a árvore da vida como uma “árvore do conhecimento”, quer dizer, tomando a vida pelo conhecimento da vida e do que com ela foi feito... Isso significa obstruir o acesso à vida, facultando-o somente aos que possuem o conhecimento (aquilo que a cabala chamou de “ensinamento” e que é transmitido então em uma cadeia, tida por ininterrupta, que começa com o arquimensageiro Raziel, passa para Enoc – o escriba, não por acaso – e daí para os patriarcas e para os sacerdotes). Kabbalah vai designar, então, essa tradição sacerdotal: condução (transmissão-recepção) do ensinamento original por parte daqueles que são capazes de reproduzir esse mesmo padrão de ordem sagrada, isto é, separada do vulgo, do profano, daquele que não foi ordenado.

Isso tudo não somente fez, mas faz ainda, parte de uma experiência fundante de verticalização do mundo, que prossegue enquanto a tradição permanece ou se refunda toda vez que o meme é replicado. Do ponto de vista da memegonia, aqui pode estar a origem da relação mestre-discípulo ou professor-aluno.

Não foi a toa que uma mente arguta como a de Harold Bloom (1975) – ecoando, aliás, o que dizia o erudito Gershom Scholem – percebeu que Kabbalah era uma ideologia de professores. Na origem de tudo está... uma Instrução: “o Ein-Sof instrui a Si mesmo através da concentração... Deus ensina a Si mesmo o Seu próprio Nome, e, dessa forma, começa a criação” (18).

Nessa memegonia, Deus é o primeiro professor e o ato de ensinar está na raiz do ato de criar o mundo. O conhecimento (via ensinamento) – e não a existência e a vida – é o objetivo: a origem e o alvo. Deus cria o mundo para se conhecer. Mas para se conhecer ele ensina, não aprende. Logo, seus “delegados”, ou intermediários (os sacerdotes), também ensinam. Todo corpus sacerdotal é docente.

É por isso que há uma enorme dificuldade de conciliar visões próprias de sistemas tradicionais de sabedoria com a visão-fluzz das redes de aprendizagem. A tradição - dita espiritual - com raras exceções (como o Tao, mas não o taoismo; como o Zen - esse formidável sistema de desconstituição de certezas -, mas não o budismo) em geral replicou atitudes míticas, sacerdotais, hierárquicas e autocráticas. Maturana levantou a hipótese da "brecha" (na civilização patriarcal e guerreira) para mostrar como pôde ter surgido a democracia (19). Mas, na verdade, não foi só a democracia que penetrou pela "brecha": vertentes utópicas, proféticas, autônomas e democráticas floresceram ao longo da história e continuam florescendo - intermitentemente - toda vez que comunidades conseguem estabelecer uma interface para conversar com a rede-mãe (20). Essas duas vertentes permaneceram e ainda permanecem em permanente tensão.

O professor como transmissor de ensinamento e a escola como aparato separado (sagrado na linguagem sumeriana) surgiram, inegavelmente, como instrumentos de reprodução de programas centralizadores que foram instalados para verticalizar a rede-mãe.

De certo modo, os deuses do panteão patriarcal e guerreiro foram os primeiros programas meméticos centralizadores (21). O tardio IHVH bíblico – ensinador – encarna uma rotina desses programas (e é representado por uma das sefirot – um evento – na 'árvore da vida' ressignificada, no mundo da emanação).

Como os deuses do panteão patriarcal e guerreiro da Mesopotâmia do período Uruk (c. 4000-3200) – período sucedido, logo em seguida, não por acaso, pela escrita (no Primeiro Dinástico I: c. 3000-2750) – foram criados à imagem e semelhança dos homens que começaram a se organizar segundo padrões hierárquicos, tudo isso é muito relevante para entendermos que a transmissão do ensinamento já foi fundada, de certo modo, em contraposição ao livre aprendizado humano na rede social muito menos centralizada (ou até, quem sabe, distribuída) dos períodos pré-históricos anteriores (desde, pelo menos, o Neolítico). Para essas sociedades de dominação, nada de aprender (inventar). Era preciso ensinar (para replicar). E por isso ensinadores são mantenedores do velho mundo.

Mestres e gurus

Todos são mestres uns dos outros enquanto se polinizam mutuamente

Há também os que – por fora dos sistemas formais de ensino – ainda se intitulam (ou são por alguém intitulados de) mestres ou gurus. Alguns são ordenados para tanto, quer dizer, têm reconhecida, sempre por uma organização hierárquica, sua capacidade de reproduzir uma determinada ordem top down. E querem então imprimi-lo, emprenhá-lo, ou seja, enxertar suas ideias-implante em você, para que você se torne também um transmissor desse “vírus”.

É claro que existem outras interpretações do papel do mestre. Osho, por exemplo, tentando explicar a correta intolerância de Krishnamurti com os que se anunciam ou eram anunciados como mestres ou gurus coloca outra perspectiva ao dizer que “um mestre não o ensina, ele simplesmente torna o seu ser disponível para você e espera que você também faça o mesmo”. E aí vem a justificativa: “A menos que algum raio do além entre em seu ser, a menos que você prove algo do transcendental, até mesmo o desejo de ser liberado não aparecerá em você. Um mestre não lhe dá a liberação, ele cria um desejo apaixonado pela liberação”. A justificativa é que “será muito difícil, quase impossível, fazer isso por conta própria”(22).

Mas quem disse que isso teria que ser feito “por contra própria”? Ao tentar justificar sua crítica a Krishnamurti, Osho enveredou por um viés psicológico individual. Ele não teria se curado do trauma de ter sido “educado por pessoas muito autoritárias... professores, talvez, mas não mestres”. Então Osho afirma que tudo isso “foi demais [para Krishnamurti] e ele não pode esquecê-los e não pôde perdoá-los” (23). No fundo, tudo isso soa mais como uma tentativa de salvar uma função pretérita, resgatar um papel arcaico que, em alguma época, funcionou de fato assim como ele, Osho, diz, porém em mundos de baixa conectividade social.

Na medida em que vida humana e convivência social se aproximam (nos mundos altamente conectados) somos obrigados a mudar nossas interpretações. Isso entra em choque com as tradições espirituais que diziam que quando o discípulo está preparado o mestre aparece. De certo modo é justo o contrário: o discípulo desaparece quando desaparece a escola (quer dizer o ensinamento) e com ele vai-se também o mestre.

Isso – para alguns – é um escândalo. Nos Highly Connected Worlds quem lhe reconhece é o simbionte social, se você se sintonizar suficientemente com a rede-mãe. Não é um representante da tradição, não é um membro de uma casta sacerdotal ou de alguma hierarquia docente, nem mesmo um indivíduo que despertou antes de você – a não ser que essa pessoa (uma pessoa) seja a porta para que você possa entrar em outros mundos. Mas neste caso essa pessoa – eis o ponto! – pode ser qualquer pessoa que esteja conectada a esses mundos onde você quer entrar.

Se alguém pudesse recuar antes (e o que seria antes?) daquela noite dos tempos em que a rede-mãe começou a rodar programas verticalizadores e pudesse dizer como uma comunidade conseguia entrar em sintonia com o simbionte natural (que talvez se confundisse – em sociedades de parceria, pré-patriarcais, quem sabe em algum momento do Neolítico – com a rede-mãe: síntese simbolizada na figura da grande mãe ou da deusa), talvez pudesse nos sugerir algum processo para reinventarmos tal sintonia com o simbionte social (o superorganismo humano). Mas, fosse qual fosse, sua resposta seria enxame (múltiplos caminhos em efervescência) e não indivíduo no caminho em busca da unidade perdida ou da sua origem celeste.

Não vale fazer recuar a noite dos tempos em que surgiram os sistemas míticos-sacerdotais-hierárquicos-autocráticos para colocá-los na origem de tudo com o fito de transformar a origem terrestre do humano em uma origem celeste. Essa operação ideológica, urdida por esses mesmos sistemas, legitima o mestre como um veículo, um emissário, um representante da suposta origem celeste (ainda quando existam mestres que reneguem tudo isso).

No enxame você já é um mestre, todos são mestres uns dos outros enquanto não apenas buscam, mas se polinizam mutuamente e isso quer dizer que não existe um, não existe aquele mestre.
 
Notas e referências

(*) A palavra ‘fluzz’ nasceu de uma conversa informal do autor, no início de 2010, com Marcelo Estraviz, sobre o Buzz do Google. O autor observava que Buzz não captava adequadamente o fluxo da conversação, argumentando que era necessário criar outro tipo de plataforma (i-based e não p-based, quer dizer, baseada em interação, não em participação). Marcelo Estraviz respondeu com a interjeição ‘fluzz’, na ocasião mais como uma brincadeira, para tentar traduzir a idéia de Buzz+fluxo. Ulteriormente a idéia foi desenvolvida no livro Fluzz: vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio (2011) e passou a não ter muito a ver com o programa mal-sucedido do Google. Fluzz (o fluxo interativo) é um conceito complexo, sintético, que talvez possa ser captado pela seguinte passagem: “Tudo que flui é fluzz. Tudo que fluzz flui. Fluzz é o fluxo, que não pode ser aprisionado por qualquer mainframe. Porque fluzz é do metabolismo da rede. Ah!, sim, redes são fluições. Fluzz evoca o curso constante que não se expressa e que não pode ser sondado, nem sequer pronunciado do “lado de fora” do abismo: onde habitamos. No “lado de dentro” do abismo não há espaço nem tempo, ou melhor, há apenas o espaço-tempo dos fluxos. É de lá que aquilo (aquele) que flui sem cessar faz brotar todos os mundos... Em outras palavras, não existe uma mesma realidade para todos: são muitos os mundos. Tudo depende das fluições em que cada um se move, dos emaranhamentos que se tramam, das configurações de interação que se constelam e se desfazem, intermitentemente”.

(**) Este texto foi originalmente escrito em 2010 e publicado em 2011 como capítulo 7 do livro Fluzz: vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio. São Paulo: Escola de Redes, 2011.

(1) BARROS, Manoel (1986). Livro sobre Nada in Poesia Completa. São Paulo: Leya, 2010.

(2) O termo ‘aprendente’, conquanto seja uma tentativa de escapar de categorias mais problemáticas como docente/discente, educando/educador, mestre/aprendiz, que introduzem relações dicotômicas e não expressam adequadamente relações sociais envolvidas em aprendizagem, também não é muito adequado. São sempre pessoas aprendendo na interação. Essas observações forem feitas por Nilton Lessa, à quarta versão do texto “Buscadores e Polinizadores”. Cf. FRANCO, Augusto (2010). Buscadores & Polinizadores. Slideshare [2.865 views em 23/01/2011]

(3) Cf. Observações de Nilton Lessa à FRANCO, Augusto (2010). Buscadores & Polinizadores: ed. Cit.

(4) Cf. FRANCO, Augusto (2001). Uma teoria da cooperação baseada em Maturana. Aminoácidos 4. Brasília: AED, 2002.

(5) Cf. e. g., a Biblioteca do Conectivismo da Escola-de-Redes:

(6) ILLICH, Ivan (1970). Sociedade sem escolas. Petrópolis: Vozes, 1985. (Na verdade o título dessa tradução, para ser fiel ao original, deveria ser “Desescolarizando a sociedade”)

(7) Este parágrafo e vários dos seguintes da mesma seção (“Mata a escola = matar o Buda”) foram elaborados originalmente durante uma polêmica conversação, ocorrida entre 27 de abril e 24 de maio de 2010, na Escola-de-Redes, com Ignácio Munõz Cristi e outros interlocutores sobre “redes sociais entendidas como redes fechadas de conversações no espaço social”. Para conhecer a íntegra da discussão acesse:

(8) RAYMOND, Eric (2001). How To Become A Hacker. Disponível em:
(9) BRABO, Paulo (2007). “Microsalvamentos: como salvar o mundo um instante de cada vez” in
(10) Cf. as conversações do grupo da Escola-de-Redes intitulado “A desistência como ativismo”:

(11) ABRAHAM, Ralph (1992) in ABRAHAM, Ralph, McKENNA, Terence & SHELDRAKE, Rupert (1992). Caos, criatividade e retorno do sagrado: triálogos nas fronteiras do Ocidente, São Paulo: Cultrix, 1994.

(12) KRAMER, Samuel (1956). A história começa na Suméria. Lisboa: Europa-América, 1977.

(13) CAMPBELL, Joseph (1959): As máscaras de Deus (Volume I). São Paulo: Palas Athena, 1998.

(14) ABRAHAM. Ralph, McKENNA, Terence & SHELDRAKE, Rupert (1992). Caos, criatividade e o retorno do sagrado: triálogos nas fronteiras do Ocidente. São Paulo: Cultrix, 1994.

(15) LEICK, Gwendolyn (2001): Mesopotâmia: a invenção da cidade. Rio de Janeiro: Imago, 2003.

(16) Os ‘me’ continuam sendo um enigma para os historiadores. A antropóloga e assirióloga Gwendolyn Leick (2001), no seu livro “Mesopotâmia: a invenção da cidade” (ed. cit.), escreve: “Eridu, como a manifestação primária do Apsu, também era considerada o lugar do conhecimento, a fonte da sabedoria, sob o controle de Enki. Numerosas narrativas foram elaboradas em torno desse conceito. Eridu, como respositório de decretos divinos é descrita em uma narrativa suméria chamada “Enki e Inanna”. Enki, escondido no Apsu, está na posse de todos os ‘me’, termo sumeriano que abrange todas aquelas instituições, leis, formas de comportamento social, emoções e símbolos de carga que, em sua totalidade, eram vistos como indispensáveis ao funcionamento regular do mundo. Esses ‘me’ pertenciam a Eridu e a Enki. Entretanto, Inanna, deusa da cidade de Uruque, deseja obter os ‘me’ para si própria e levá-los para Uruque. Com esse fim, ela desfralda velas para chegar a Eridu de barco, sempre o caminho mais fácil para ir de uma cidade da Mesopotâmia a outra. Enki toma conhecimento da chegada de Inanna e preocupa-se com as intenções dela. Instrui o seu vizir para a receber com todas as honras e preparar um banquete, no qual ambas as deidades bebem muita cerveja. Enki não tarda em adormecer, deixando o caminho livre para Inanna carregar os preciosos ‘me’ em seu barco, um por um, e zarpar. Quando Enki desperta da ébria sonolência e dá-se conta do que aconteceu, procura usar sua magia em uma tentativa de recuperar os ‘me’. Inanna consegue rechaçar os demônios perseguidores e chegar sã e salva a Uruque. O desfecho da história não é claro, pois nenhuma das versões existentes do texto está suficientemente preservada, mas parece que uma terceira deidade logra a reconciliação entre Inanna e Enki. Esta é, obviamente, uma típica história de Uruque, concentrando-se nas deusas locais e em seu poder superior. Ao libertar os ‘me’ das profundezas do Apsu, Inanna podia não só ampliar seus próprios poderes, mas também fazer valer os seus decretos entre os humanos. A lista dos ‘me’ inclui a realiza, as funções sacerdotais, os ofícios e a música, assim como as relações sexuais, a prostituição, a velhice, a justiça, a paz, o silêncio, a calúnia, o perjúrio, as artes dos escribas e a inteligência, entre muitos outros”.
Muitos anos antes, o famoso sumeriologista Samuel Noah Kramer (1956), em From the Tablets of Sumer (ed. cit.) já havia observado:
“Finalmente chegamos aos ‘me’, as leis divinas, normas e regras que, segundo os filósofos sumérios, governam o universo desde os dias da sua criação e o mantêm em funcionamento. Neste domínio possuímos considerável documentação direta, particularmente em relação ao ‘me’ que governam o homem e a sua cultura. Um dos antigos poetas sumérios, ao compor ou redigir um dos seus mitos, julgou que vinha a propósito dar uma lista dos ‘me’ relacionados com a cultura. Divide a civilização, segundo o conhecimento que dela tinha, em uma centena de elementos. No estado atual do texto são apenas inteligíveis cerca de sessenta e alguns são palavras mutiladas que, sem contexto explicativo, apenas nos dão uma vaga idéia do seu real sentido. Mas ainda subsistem os suficientes para nos mostrar o caráter e a importância da primeira tentativa registrada de análise da cultura, que resultou em uma lista considerável de o que é hoje geralmente designado por “elementos e complexos culturais”. Estes compõem-se de várias instituições, certas funções de hierarquia sacerdotal, instrumentos de culto, comportamentos intelectuais e afetivos e diferentes crenças e dogmas. Eis a lista das partes mais inteligíveis e seguindo a própria ordem escolhida pelo antigo escritor sumério: 1 – Soberania; 2 – Divindade; 3 - A sublime e permanente coroa; 4 - O trono real; 5 - O sublime cetro; 6 - As insígnias reais; 7 - O sublime santuário; 8 - O pastoreio; 9 - A realeza; 10 - A durável senhoria; 11 - A “divina senhora” (dignidade sacerdotal); 12 – O ishib (dignidade sacerdotal); 13 – O lumah (dignidade sacerdotal); 14 – O gutug (dignidade sacerdotal)…” [A lista segue até o número 67].
Essas “fórmulas divinas” (os ‘me’) reforçam a idéia da existência de uma espécie de protótipo. Os ‘me’ parecem ser códigos replicativos para criar e reproduzir um determinado tipo de civilização (ou padrão societário). A existência material ou ideal dos ‘me’ como conhecimentos armazenáveis em objetos que podiam ser transportados, evidencia que os sumérios não apenas desenvolveram historicamente o que chamamos de civilização. Eles também sistematizaram teoricamente um modelo dessa civilização para ser replicado em outros locais.
Mas o mais relevante é a ordem em que aparecem tais “elementos culturais”. Os seres humanos e suas características próprias e qualidades distintivas só vão surgir lá pelo quadragésimo lugar. O schema é mítico, sacerdotal, hierárquico e autocrático. Aliás, pode-se dizer que essas “fórmulas divinas” são fórmulas da autocracia em “estado puro”.
E havia um ensinamento organizado sobre tudo isso. Pois bem. Tal ensinamento a ser replicado foi o motivo de haver um ensino. Para mais informações pode-se ler os textos indicados por LEICK (2001) e por KRAMER (1956). Ou pode-se tentar decifrar o material disponível:
Inana and Enki: cuneiform source translation at ETCSL (The Electronic Text Corpus of Sumerian Literature, University of Oxford, England) in ETCSL translation:
Cf. ainda: “What are ‘me’ anyway?” in Sumerian Mythology FAQ:

(17) Existem outras maneiras não verticais de representar essa árvore das Sefirot. Cf. o blogpost “Sobre Kabbalah e redes: um abstruso paralelo heurístico”:

(18) BLOOM, Harold (1975). Cabala e crítica. Rio de Janeiro: Imago, 1991.

(19) MATURANA, Humberto & VERDEN-ZÖLLER, Gerda (1993). Amor y Juego: fundamentos olvidados de lo humano – desde el Patriarcado a la Democracia. Santiago: Editorial Instituto de Terapia Cognitiva, 1997. (Existe tradução brasileira: Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas Athena, 2004).

(20) FRANCO, Augusto (2008). Escola de Redes: Novas visões sobre a sociedade, o desenvolvimento, a internet, a política e o mundo glocalizado. Curitiba: Escola-de-Redes, 2008.

(21) FRANCO, Augusto (2008): O Olho de Hórus. Disponível em

(22) OSHO (Bhagwan Shree Rajneesh) (1978). A revolução: conversas sobre Kabir. São Paulo: Academia de Inteligência, 2008.

(23) Idem.