sexta-feira, 19 de agosto de 2011

O TRABALHO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO

http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/documento_base.pdf

Compreender a relação indissociável entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura significa compreender o trabalho como princípio educativo, o que não significa “aprender fazendo”, nem é sinônimo de formar para o exercício do trabalho.

Considerar o trabalho como princípio educativo equivale a dizer que o ser humano é produtor de sua realidade e, por isso, se apropria dela e pode transformá-la. Equivale dizer, ainda, que nós somos sujeitos de nossa história e de nossa realidade. Em síntese, o trabalho é a primeira mediação entre o homem e a realidade material e social.

O trabalho também se constitui como prática econômica, obviamente porque nós garantimos nossa existência, produzindo riquezas e satisfazendo necessidades.

Na sociedade moderna a relação econômica vai se tornando fundamento da profissionalização. Mas sob a perspectiva da integração entre trabalho, ciência e cultura, a profissionalização se opõe à simples a formação para o mercado de trabalho. Antes, ela incorpora valores éticos-políticos e conteúdos históricos e científicos que caracterizam a práxis humana.

Portanto, formar profissionalmente não é preparar exclusivamente para o exercício do trabalho, mas é proporcionar a compreensão das dinâmicas sócio-produtivas das sociedades modernas, com as suas conquistas e os seus revezes, e também habilitar as pessoas para o exercício autônomo e crítico de profissões, sem nunca se esgotar a elas.

Apresentados esses pressupostos, defendemos que o projeto unitário de Ensino Médio, que não elide as singularidades dos grupos sociais, mas se constitui como síntese do diverso, tem o trabalho como o primeiro fundamento da educação como prática social.

No Ensino Médio, além do sentido ontológico do trabalho, toma especial importância seu sentido histórico, posto que é nessa etapa da educação básica que se explicita mais claramente o modo como o saber se relaciona com o processo de trabalho, convertendo-se em força produtiva (Saviani, 1987).

Ressalta-se, nesse caso, o trabalho também como categoria econômica, a partir do qual se justificam projetos que incorporem a formação específica para o trabalho.

Na base da construção de um projeto unitário de Ensino Médio que, enquanto reconhece e valoriza o diverso, supera a dualidade histórica entre formação básica e formação profissional, está a compreensão do trabalho no seu duplo sentido:

ontológico, como práxis humana e, então, como a forma pela qual o homem produz sua própria existência na relação com a natureza e com os outros homens e, assim, produz conhecimentos;

histórico, que no sistema capitalista se transforma em trabalho assalariado ou fator econômico, forma específica da produção da existência humana sob o capitalismo; portanto, como categoria econômica e práxis produtiva que, baseadas em conhecimentos existentes, produzem novos conhecimentos.

Pelo primeiro sentido, o trabalho é princípio educativo no Ensino Médio à medida que proporciona a compreensão do processo histórico de produção científica e tecnológica, como conhecimentos desenvolvidos e apropriados socialmente para a transformação das condições naturais da vida e a ampliação das capacidades, das potencialidades e dos sentidos humanos.

O trabalho, no sentido ontológico, é princípio e organiza a base unitária do Ensino Médio.

Pelo segundo sentido, o trabalho é princípio educativo no Ensino Médio, na medida em que coloca exigências específicas para o processo educativo, visando à participação direta dos membros da sociedade no trabalho socialmente produtivo. Com esse sentido, conquanto também organize a base unitária do Ensino Médio, fundamenta e justifica a formação específica para o exercício de profissões, estas entendidas como uma forma contratual socialmente reconhecida, do processo de compra e venda da força de trabalho.

Como razão da formação específica, o trabalho aqui se configura também como contexto.

Se pela formação geral as pessoas adquirem conhecimentos que permitam compreender a realidade, na formação profissional o conhecimento científico adquire, para o trabalhador, o sentido de força produtiva, traduzindo-se em técnicas e procedimentos, a partir da compreensão dos conceitos científicos e tecnológicos básicos que o possibilitarão à atuação autônoma e consciente na dinâmica econômica da sociedade.

Por fim, a concepção de cultura que embasa a síntese entre formação geral e formação específica a compreende como as diferentes formas de criação da sociedade, de tal forma que o conhecimento característico de um tempo histórico e de um grupo social traz a marca das razões, dos problemas e das dúvidas que motivaram o avanço do
conhecimento numa sociedade.

Essa é a base do historicismo como método (Gramsci, op. cit.), que ajuda a superar o enciclopedismo – quando conceitos históricos são transformados em dogmas – e o espontaneísmo, forma acrítica de apropriação dos fenômenos, que não ultrapassa o senso comum.

Na organização do Ensino Médio, superando-se a disputa com a educação profissional, mas integrando-se seus objetivos e métodos em um projeto unitário, ao mesmo tempo em que o trabalho se configura como princípio educativo – condensando em si as concepções de ciência e cultura –, também se constitui como contexto econômico (o mundo do trabalho), que justifica a formação específica para atividades diretamente produtivas.

Nisso se assenta a integração entre Ensino Médio e Educação Profissional, garantindo-se uma base unitária de formação geral, gerar possibilidades de formações específicas. Do ponto de vista organizacional, essa relação deve integrar em um mesmo currículo a formação plena do educando, possibilitando construções intelectuais elevadas; a apropriação de conceitos necessários para a intervenção consciente na realidade e a compreensão do processo histórico de construção do conhecimento.

Com isso queremos erigir a escola ativa e criadora organicamente identificada com o dinamismo social da classe trabalhadora. Como nos diz Gramsci, essa identidade orgânica é construída a partir de um princípio educativo que unifique, na pedagogia, éthos, logos e técnos, tanto no plano metodológico quanto no epistemológico. Isso porque esse projeto materializa, no processo de formação humana, o entrelaçamento entre trabalho, ciência e cultura, revelando um movimento permanente de inovação do mundo material e social.

Glossário:

Ontologia - segundo o aristotelismo, parte da filosofia que tem por objeto o estudo das propriedades mais gerais do ser;
no heideggerianismo, reflexão a respeito do sentido abrangente do ser, como aquilo que torna possível as múltiplas existências

Epistemologia - estudo dos postulados, conclusões e métodos dos diferentes ramos do saber científico, ou das teorias e práticas em geral, avaliadas em sua validade cognitiva, ou descritas em suas trajetórias evolutivas, seus paradigmas estruturais ou suas relações com a sociedade e a história; teoria da ciência