sexta-feira, 30 de março de 2007

Inclusão Digital e ensino instrumental

Pensando essa coisa da inclusão digital e o ensino de língua estrangeira...Uma das primeiras coisas que ensinamos em inglês para uma compreensão instrumental são as noções de skimming e scanning. Skim é o que se faz quando se retira a nata do leite. Ler skimming é buscar fatos concretos - nata - a data do nascimento de alguém, nomes, idades, etc. Ler scanning tem a ver com o equipamento do computador ( transforma todo o texto em uma figura digitalizada - é ler em geral, digamos assim).
Estava dando aula para nosso primeiro ano e apresentando esses conceitos. Chegamos a uma discussão muito interessante : hoje em dia, até mesmo por conta do uso da Internet, estamos em uma era de skimmings. Abro uma janela atrás de uma informação que me leva a um link que me leva a outro etc...sempre tendo como linha aquilo que me será útil naquele momento. Conversamos sobre como é importante esse recurso, sobre como as pessoas com menos prática de Internet ainda não o dominavam, dissemos que isso também era uma forma importante de leitura.E aí, falando de scanning,eis que se chega a uma conclusão: falta scanning na nossa vida. Falta ver o todo, falta nos aproximarmos das coisas sem necessariamente termos uma utilidade pré-concebida para elas ( ao menos não sempre). Curtir a leitura e observar o panorama geral. Ver o contexto...
Bem, aí passamos a falar de pessoas, de como as vezes nós skim as pessoas e não as scan. Não aprofundamos: tiramos dela o que nos parece útil. Realmente gostei da discussão que me levou a pensar sobre inclusão e vida. Incluir é uma atitude, pressupôe aprofundar em algumas coisas, pressupôe construir contextos, interpretações e crenças próprias acerca da sociedade que nos cerca. Para mim a inclusão digital sem essa perspectiva humana é somente imposição de mais uma realidade tecnológica sem base ( como todos os comentários anteriores tem sugerido).
E tem outra coisa: Tenho lido muito acerca de quem é o professor digital - profissional do futuro - que dá mil aulas presenciais e virtuais e está sempre plugado. Acho toda essa imagem muito divertida, mas novamente fugimos do ponto. Se por um lado ainda temos muito o que superar em termos de "nos incluirmos" na era digital, por outro, nada disso vale sem a velha discussão de que professores queremos ser.Toda ferramenta tem seu objetivo e o sentido maior é construção nossa

quinta-feira, 29 de março de 2007

A aula incrível e maravilhosa - usos e conseqüências

Tem sido recorrente em nossas reuniões na escola, em conversas informais e intercâmbios pela lista o tema de que não basta dar uma boa aula, temos que pensar na melhor aula possível - aquela que no título chamei de incrível e maravilhosa. Eu particularmente adoro este tipo de proposição, feita com garra e com paixão. Me encanta em nossa escola a possibilidade de romper limites a todo momento. A cena que me vem a cabeça ( e quem me conhece sabe que comparações com filmes são inevitáveis) é a do professor como um herói, como aquele que sacode a poeira, arma-se de uma lança ( que seria um livro e/ou uma apostila), de coragem e de desenvoltura com o objetivo de que o aluno saia da aula diferente, que tenha processado alguns conteúdos internos ( conteúdos esses que estão além da disciplina em si). Cabe esclarecer ( ainda mais em tempos informáticos) que, para mim, processar não é assimilar ou receber passivamente, e sim dar início a um processo. Dar início a algo que não acaba em 50 minutos ou 1h e 40. Colocar-se em processo, em dinâmica...

Foi essa reflexão que me fez pensar em Duna ( de Frank Herbert) que começa com a seguinte frase: "O princípio é um momento muito delicado". Pena que a gente as vezes só consiga enxergar um tempo linear de antes-e-depois, porque na verdade todos estamos, o tempo todo, processando. Então, a cada aula espero despertar algo, em meio a um despertar que começa antes mesmo da aula começar. Se, na minha aula, desperta um processo que culminará na de química, não há como saber de verdade. Nada é linear. Melhor seria dizer que na minha aula há tantos processos quantos são os interesses e descobertas de cada aluno e isso, bem, isso é muita coisa...

Mas tenho essa sensação de que inícios são mesmo delicados. O início da relação com uma turma, o início de uma nova matéria, o início de um novo teste metodológico, o início do dia de trabalho, o início de uma desconfiança, o início de uma grande alegria. Se o tempo é esse brinquedo em que moramos e que a todo momento subvertemos, não tenho acesso ao processo de nenhum aluno, mas posso acompanha-lo, acarinha-lo e fazer-me presente.

Para mim a aula incrível e maravilhosa não é linear: o que hoje converso com um aluno pode culminar em um projeto daqui a um ano. A aula incrível e maravilhosa pode durar cinco minutos e estar representada por um momento em que todos cantamos ou nos permitimos rir de nós mesmos. Pode ser fora da aula, em uma reunião para resolver um problema sério que só apareceu porque houve uma aula não tão maravilhosa. A aula incrível e maravilhosa pode ser um dia em que todos estamos em sintonia e pode ser, também, tecnicamente maravilhosa ( atualizada, didaticamente correta, envolvente, etc.)

Uma grande amiga um dia me disse quando eu lhe perguntava como poderia envolver mais as pessoas em um projeto, fazer com elas o que foi feito por mim em reciprocidade: "Sabine, como você pode fazer algo que não sabe fazer? Você nesse momento está faznedo o melhor que pode."Eu achei simples e genial. A aula maravilhosa é uma busca e cada aula é maravilhosa desde que não esqueçamos de buscar suas maravilhas e apontar sempre além.Ás vezes é como "Coração Valente" você ter uma lança no estômago e gritar "Liberdadeeee!!!!" e converter um momento ruim. Ás vezes é como uma comédia romântica na qual as dicas de que tudo vai dar certo ficam espalhadas em meio a muitos mal-entedidos.Ás vezes é Roger Waters e um show impressionante. E às vezes, essa aula maravilhosa, é como um filme contemplativo norueguês: uma paisagem, uma reflexão e o tempo escorrendo leeeeeeeeeennnnnnntooooooooo....

quarta-feira, 21 de março de 2007

Sobre política e jardinagem

Sobre política e jardinagem

Rubem Alves

De todas as vocações, a política é a mais nobre. Vocação, do latim vocare, quer dizer chamado. Vocação é um chamado interior de amor: chamado de amor por um ‘fazer’. No lugar desse ‘fazer’ o vocacionado quer ‘fazer amor’ com o mundo. Psicologia de amante: faria, mesmo que não ganhasse nada.

‘Política’ vem de polis, cidade. A cidade era, para os gregos, um espaço seguro, ordenado e manso, onde os homens podiam se dedicar à busca da felicidade. O político seria aquele que cuidaria desse espaço. A vocação política, assim, estaria a serviço da felicidade dos moradores da cidade.

Talvez por terem sido nômades no deserto, os hebreus não sonhavam com cidades: sonhavam com jardins. Quem mora no deserto sonha com oases. Deus não criou uma cidade. Ele criou um jardim. Se perguntássemos a um profeta hebreu ‘o que é política?’, ele nos responderia, ‘a arte da jardinagem aplicada às coisas públicas’.

O político por vocação é um apaixonado pelo grande jardim para todos. Seu amor é tão grande que ele abre mão do pequeno jardim que ele poderia plantar para si mesmo. De que vale um pequeno jardim se à sua volta está o deserto? É preciso que o deserto inteiro se transforme em jardim.

Amo a minha vocação, que é escrever. Literatura é uma vocação bela e fraca. O escritor tem amor mas não tem poder. Mas o político tem. Um político por vocação é um poeta forte: ele tem o poder de transformar poemas sobre jardins em jardins de verdade. A vocação política é transformar sonhos em realidade. É uma vocação tão feliz que Platão sugeriu que os políticos não precisam possuir nada: bastar-lhes-ia o grande jardim para todos. Seria indigno que o jardineiro tivesse um espaço privilegiado, melhor e diferente do espaço ocupado por todos. Conheci e conheço muitos políticos por vocação. Sua vida foi e continua a ser um motivo de esperança.

Vocação é diferente de profissão. Na vocação a pessoa encontra a felicidade na própria ação. Na profissão o prazer se encontra não na ação. O prazer está no ganho que dela se deriva. O homem movido pela vocação é um amante. Faz amor com a amada pela alegria de fazer amor. O profissional não ama a mulher. Ele ama o dinheiro que recebe dela. É um gigolô.

Todas as vocações podem ser transformadas em profissões O jardineiro por vocação ama o jardim de todos. O jardineiro por profissão usa o jardim de todos para construir seu jardim privado, ainda que, para que isso aconteça, ao seu redor aumente o deserto e o sofrimento.

Assim é a política. São muitos os políticos profissionais. Posso, então, enunciar minha segunda tese: de todas as profissões, a profissão política é a mais vil. O que explica o desencanto total do povo, em relação à política. Guimarães Rosa, perguntado por Günter Lorenz se ele se considerava político, respondeu: ‘Eu jamais poderia ser político com toda essa charlatanice da realidade... Ao contrário dos ‘legítimos’ políticos, acredito no homem e lhe desejo um futuro. O político pensa apenas em minutos. Sou escritor e penso em eternidades. Eu penso na ressurreição do homem.’ Quem pensa em minutos não tem paciência para plantar árvores. Uma árvore leva muitos anos para crescer. É mais lucrativo cortá-las.

Nosso futuro depende dessa luta entre políticos por vocação e políticos por profissão. O triste é que muitos que sentem o chamado da política não têm coragem de atendê-lo, por medo da vergonha de serem confundidos com gigolôs e de terem de conviver com gigolôs.

Escrevo para vocês, jovens, para seduzi-los à vocação política. Talvez haja jardineiros adormecidos dentro de vocês. A escuta da vocação é difícil, porque ela é perturbada pela gritaria das escolhas esperadas, normais, medicina, engenharia, computação, direito, ciência. Todas elas, legítimas, se forem vocação. Mas todas elas afunilantes: vão colocá-los num pequeno canto do jardim, muito distante do lugar onde o destino do jardim é decidido. Não seria muito mais fascinante participar dos destinos do jardim?

Acabamos de celebrar os 500 anos do descobrimento do Brasil. Os descobridores, ao chegar, não encontraram um jardim. Encontraram uma selva. Selva não é jardim. Selvas são cruéis e insensíveis, indiferentes ao sofrimento e à morte. Uma selva é uma parte da natureza ainda não tocada pela mão do homem. Aquela selva poderia ter sido transformada num jardim. Não foi. Os que sobre ela agiram não eram jardineiros. Eram lenhadores e madeireiros. E foi assim que a selva, que poderia ter se tornado jardim para a felicidade de todos, foi sendo transformada em desertos salpicados de luxuriantes jardins privados onde uns poucos encontram vida e prazer.

Há descobrimentos de origens. Mais belos são os descobrimentos de destinos. Talvez, então, se os políticos por vocação se apossarem do jardim, poderemos começar a traçar um novo destino. Então, ao invés de desertos e jardins privados, teremos um grande jardim para todos, obra de homens que tiveram o amor e a paciência de plantar árvores à cuja sombra nunca se assentariam.