domingo, 4 de fevereiro de 2007

Sobre todas aquelas coisas que “temos que” fazer

Sobre todas aquelas coisas que “temos que” fazer

Por Sabine Mendes

Professora de Inglês – Colégio Graham Bell

Tudo começou em uma reunião pedagógica de início de ano na qual soubemos que “tínhamos que” começar a nos comunicar mais. Apresenta-se a idéia de ter um blog onde “temos que” começar a postar textos e começar a mostrar nossa cara para o mundo. A experiência de dar aula é rica em si, em qualquer situação, dar aula em um lugar onde me sinto construindo algo para o futuro é mais ainda. Eu tinha que escrever sobre isso porque tínhamos que nos comunicar, tínhamos que conseguir fazer mais coisas práticas e tínhamos que mostrar nossa cara ao mundo. É claro que não é como se alguém tivesse colocado uma faca em meu pescoço sugerindo que eu fizesse isso e acabei pensando que não seria tão ruim, que era uma decisão minha mesmo escrever. Eu tinha que escrever mesmo!

Sentei em frente ao computador depois de uma aula de ginástica (argh !), sentindo os ossos moídos e transformados em pasta para canapés. Tinha que fazer mil outras coisas como: ligar para minha mãe, combinar horários de quem iria ficar com a minha filha enquanto trabalho depois que as aulas começarem, arrumar a casa e terminar de escrever minha dissertação. Porém, entre a dissertação em sua nonagésima quinta versão e um texto novo para o blog, me parecia mais fácil fazer o segundo e como “tinha que fazer”, comecei a pensar em um tema.

Foi quando surgiu aquela sensação. Uma sensação de que eu estava perdendo alguma coisa importante no processo de escrever. Uma sensação de ansiedade e com o peso de todas as outras coisas que a gente costuma achar que “tem que” ser: excelente mãe, professora, cozinheira, poeta, entre outros. Lembrei de que várias vezes o que eu “tinha que” ser ou fazer atrapalhava o que eu estava fazendo. Não dá pra sentir prazer se a gente começa a pensar no que “tem que”. Então, relaxei, dei uma volta (pela minha casa, busquei algo pra beber) e comecei a pensar nas minhas aulas.

Às vezes, eu entro em sala com uma idéia, um planejamento e confiança na proposta que estou seguindo. Nesses dias “iluminados” minha aula flui de um jeito incrível, parece que o universo conspira (por universo quero dizer alunos e tempos de 50 minutos! rsrsrsrs). Nesses dias subo as escadas da escola com a sensação de que é ótimo estar com meus alunos, descobrir coisas novas com eles e que ensinar só tem sentido se aprendemos alguma coisa enquanto ensinamos (coisa em que acredito há alguns anos!). De alguma maneira, estou aberta a todas as possibilidades e não consigo entender ensinar sem aprender. São meus melhores dias!

Outras vezes eu entro em sala com tudo que “tenho que” fazer. Tenho que cumprir a matéria, o programa, tenho que mostrar a importância de minha disciplina, tenho que mantê-los interessados, tenho que fazer muitas coisas.... Em geral, coisas burocráticas. E aí nada funciona. Não consigo fazer nada do que tanto tinha que fazer. Em dias piores, estou em sala pensando em coisas que tenho que fazer fora dela e em dias piores ainda estou em sala pensando em coisas que tenho que ser.

Tudo bem, tudo bem! Os acordos e a matéria são importantes (não estou dizendo que não são), mas eles fluem muito melhor quando não fazem parte desse grupo de coisas que tenho que fazer. Quando consigo dar a eles um tom de novo, porque, de alguma maneira eles não são o mais importante de minha aula.

Aí eu descobri duas coisas muito importantes: que eu preciso sempre reinventar o que faço e estar fazendo o que estou fazendo – estar ali, presente, curtindo aquele momento. E descobri, em segundo lugar, que faço muitas coisas da minha vida porque “tenho que”. Como a gente não deixa os hábitos de uma hora pra outra resolvi duas coisas: 1ª tenho que buscar formas cada vez melhores de ter prazer no que eu faço e 2ª, tenho que aprender alguma coisa em toda aula que eu der (seja aprender algo sobre meus alunos ou sobre a própria matéria, com um olhar de pesquisador constante que ajuda a me colocar no presente e esquecer dos muitos “tenho que”).

Suspeito que se eu tiver prazer, meus alunos também terão (de alguma estranha maneira) e que se eu me colocar aprendendo, meus alunos também aprenderão alguma coisa. Afinal, nunca devemos subestimar o modelo forte que um professor é para um aluno em sala e, se eu estiver burocrática e chateada, é esse modelo de ser humano que estou transmitindo de alguma maneira.

Veremos logo se isso faz sentido! Ainda não consegui chegar ao estado zen de abandonar os “tenho que” e acho que uma dose moderada deles talvez não seja de todo ruim. Pelo menos, quero tentar “Ter que” fazer coisas cada vez mais legais, prazeirosas e desafiadoras.